A PENALIDADE NA INDIA ***
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*A PENALIDADE NA INDIA SEGUNDO O CÓDIGO DE MANU*
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Sociedade de Geographia de Lisboa
A PENALIDADE NA INDIA SEGUNDO O CÓDIGO DE MANU
Memoria apresentada á 10.ª sessão do congresso internacional dos orientalistas por
CANDIDO DE FIGUEIREDO
S. S. G. L.
LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
1892
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*A PENALIDADE NA INDIA SEGUNDO O CÓDIGO DE MANU*
*I*
Historiar a penalidade indiana sería tão vantajoso como diffícil. Vantajoso, porque, de todos os historiadôres do direito penal, nenhum, de que saibamos, se occupou seriamente da penalidade entre os povos hindus: uns guardam sôbre ella absoluto silencio; outros, contra todas as leis ethnográficas e filológicas, agrupam, de relance, os indios com os chinas e japonêses, e segregam-n'os injustamente da legislação comparada; e outros ainda, os que viveram antes dêste século, não podiam occupar-se largamente da antiguidade indiana, porque ainda não estavam explorados os riquissimos filões, de onde os mineiros da sciencia extraíram os assombrosos monumentos da velha literatura indiana.
E sería diffícil, dissemos, historiar a penalidade na India, pela escassez de commentadôres e guias em tão árido caminho. Abeirando-nos apenas do importantissimo assunto, que daria volumes, o que procuraremos sinthetizar em poucas páginas, aventurâmo-nos, sem mestres nem guias, a devassar a enredada legislação de Manu, procurando e separando o que é puro direito penal, d'aquillo que é religioso, civil ou político, visto que a regulamentação das várias esferas da actividade humana se acha ali amalgamada, como succede nos códigos primitivos de todas as sociedades.
*II*
O código de Manu é, para muitos orientalistas, o mais antigo monumento legislativo que se conhece na história da humanidade. Ponderando que este código reflecte toda a simplicidade antiga dos dogmas religiosos; que ali ainda se fala de um Deus único, _Brahmá_, e não se faz referencia a _Vichnu_ nem a _Sívá_, que com _Brahmá_ constituem a trindade indiana, a _Trimurti_; ponderando que no código não se fez menção das incarnações de Vichnu, e que das personagens históricas, ali alludidas, nenhuma é posteriôr ao século X antes da nossa era; e ponderando, ainda, que o legisladôr desconhecia a grande revolução religiosa de Budhá, revolução que, como se sabe, precedeu déz séculos a era christan, concluem os modernos intérpretes do código que elle já vigorava na India no século XIII antes de Christo.
O código de Manu (_Manava-Dharma-Sastra_, no original sanscrito), abrange dôze livros; e as disposições penais deparam-se-nos especialmente no VIII, IX e ainda no XI, se bem que este se occupe sobretudo de penitencias e expiações religiosas.
*III*
Quem não é de todo estranho á sciencia do direito penal, sabe que a penalidade póde encarar-se, pelo menos, por quatro faces: incriminações, penas, competencia e processo.
Sôbre incriminações e penas, podemos colhêr no código de Manu disposições abundantes e claras; mas, sobre competencia e processo, o código é excessivamente resumido, ou, antes, excessivamente vago.