He Left Me

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A balada não foi das melhores naquela noite. Não compensou todo o trabalho que tive para sair às escondidas de Vô Narciso, que me proibiu mais uma vez de sair durante a semana. Cheguei em casa mais cedo que de costume, por volta das quatro da manhã, louca para cair na cama. Nuvens pesadas cobriam a lua, deixando a casa muito sombria. Sempre achei a mansão meio assustadora ao cair da noite,mais vovô adorava – tinha boas recordações incrustadas nas paredes cor de creme. Para não atrair atenção, subi sorrateiramente os degraus da escada dos fundos que ligava a cozinha ao andar de cima, mas que obrigatoriamente me fazia passar pelo corredor do quarto de meu avô. Prendi a respiração, tentando fazer o mínimo de ruído possível ao passar pela porta branca com entalhes delicados. Meu esforço foi inútil, claro.

- Selena! – chamou vovô, numa voz baixa, porém firme.

Suspirei pesadamente, soltando os ombros antes de abrir a porta e enfiar a cabeça por uma fresta no quarto iluminado apenas pela luz do abajur. Vovô estava sentado na enorme cama, um livro nas mãos, o rosto desapontado.

- Você achou mesmo que eu não notaria sua escapadinha? Não acha que é um pouco tarde para estar indo para a cama? – quis saber vô Narciso, me observando por sobre os óculos.

- Tecnicamente é cedo, já que tá quase amanhecendo...

- Entre, Selena – ele ordenou.

Grunhi, tudo que eu queria era ir para minha cama, de preferência sem levar bronca. Contudo, eu sabia que vovô correria trás de mim até soltar todos os cachorros. Era inútil tentar escapar.

Arrastando-me bravamente, como um condenado à cadeira elétrica, me sentei no pé da cama.

- Onde você estava? – ele indagou, a testa enrugada, os cabelos grisalhos ligeiramente desarrumados.

- Com a Demi. Era aniversário dela. – Demi era minha melhor amiga desde... bom, desde que eu me lembrava. Nós nos conhecemos no maternal e, depois que ela me salvou de um monstro horrível no parquinho do colégio, nunca mais nos afastamos. Éramos inseparáveis.

- Claro. Ela está com quantos anos agora? Cento e três? Porque nos últimos dois meses você foi a pelo menos oito festas de aniversário da sua melhor amiga. - Droga!

- Eu disse aniversário? Eu quis dizer despedida de solteira. - Vovô suspirou

- Selena, eu já sou velho o bastante para saber quando estão querendo me enganar – ele fechou o livro com um movimento brusco e tirou os óculos de leitura. – Eu não entendo. Sempre dei tudo a você, nunca lhe faltou nada. Acho que o problema foi exatamente esse, não é? Acabei mimando você demais. Você é uma mulher adulta há algum tempo. Tem vinte e três anos, mas ainda age como uma adolescente irresponsável. Quando vai criar juízo, querida?

-Vovô, eu...

- Isso não é hora de voltar pra casa, ainda mais numa terça-feira. Já se deu conta de que você passa todas as noites e madrugadas na rua, só Deus sabe fazendo o quê?

- Eu não estava fazendo nada errado. Eu nunca faço nada errado – me defendi. Seus olhos castanhos escuros quase pretos, exatamente da cor dos meus, se estreitaram, as rugas ao redor tornaram tudo mais ameaçador.

- Precisei enviar três advogados a Amsterdã para livrar você da cadeia. Amsterdã, Selena! – ele frisou, o rosto duro. – Onde tudo é permitido! Evidentemente, você teve que encontrar uma forma de mudar isso...

- Foi um mal entendido, eu já expliquei! – Ninguém nunca me deixaria esquecer aquela história? Caramba! Uma garota não podia cometer um errinho de nada?

- Tunísia. Bulgária – ele continuou a apontar meus erros. – Aquela noite em que você foi parar no hospital por causa de um coma alcoólico... Tudo não passou de um mal entendido?

Seeks a HusbandOnde histórias criam vida. Descubra agora