Enquanto o padre discursava sobre a generosidade de vô Narciso, suas benfeitorias na comunidade, como sempre fora um homem correto, um cristão temente a Deus, marido, pai e avô devotado,eu me alienava daquilo tudo, encarando fixamente em arranjo de orquídeas, como se não fosse de meu avô morto que o padre estivesse falando. Doía menos dessa forma. Encarei as flores com raiva. Detestava orquídeas desde criança. Havia centenas delas no enterro de meus pais. E havia milhares delas no enterro de vô Narciso. Flor da morte. Eu detestava a morte. Eu não deveria odiá-la tanto agora, já que não sobrava mais ninguém. Todos estavam mortos. Perdi meus pais para um terrorista e vovô para uma doença estúpida. Eu não tinha o que temer, não é?
Recebi muitos abraços na saída da igreja, a maioria de amigos de vô Narciso. Hector, seu braço direito na G&G Cosmético, estava rígido como uma coluna de mármore. Sua pele azeitonada estava pálida, o rosto era uma máscara de seriedade, mas os olhos, vermelhos e inchados, o delatavam. Sua esposa o confortava como podia, e eu fingia que sua tristeza contida era por conta de uma negociação que dera errado, não por saber que nunca mais teria o velho amigo por perto.
Scooter, o advogado de longa data de vovô, tomara conta de tudo desde aquela manhã fatídica – o funeral, a papelada das empresas, a missa de sétimo dia, os empregados da mansão. Ele havia sido de grande ajuda, já que naquela semana me limitei a chorar trancada no quarto de meu avô – que ainda tinha o aroma delicioso de sua loção pós-barba. Só saí de lá com os protestos de Demi, que ameaçou chamar os bombeiros caso eu não abrisse a porta e comesse alguma coisa.
- Como está se sentindo? – Scooter perguntou quando eu já estava no estacionamento da igreja.
- Cansada. Só quero ir pra casa. – Para o mausoléu que ela havia se tornado fazia uma semana.
- Hã... Sei que não é uma boa hora para isso, Selena, mas seu Narciso me deixou instruções para que o testamento fosse aberto após a missa de sétimo dia.
- Não pode ser amanhã? – Eu só queria ir para casa e chorar. Era pedir muito?
- Sinto muito. Ele deixou ordens expressas para que o testamento fosse aberto sete dias após seu falecimento. - Suspirei, fechando os olhos.
- Tudo bem, Clóvis – cedi. – Se não tem outro jeito, vamos acabar logo com isso. - Ele assentiu.
- Vou até a mansão. Acho que vai ser melhor para você. Nos encontrarmos lá.
- Tudo bem – concordei desanimada. Ele entrou em seu carro e me seguiu enquanto eu dirigia no piloto automático, fantasiando estar em algum lugar paradisíaco onde meu avô ainda vivia.
Nick ligou para perguntar se eu continuaria trabalhando na galeria. Como se eu pudesse pensar em alguma coisa naquele momento.
- Não, Nick. Não tenho cabeça pra nada. Obrigada pelas flores, foi muito gentil.
- Eu realmente sinto muito, Selena.
- Eu também. – Ninguém imaginava quanto. – Pode arrumar alguém para me substituir. Chega de trabalho pra mim.
- Se precisar de alguma coisa, me liga – ele ofereceu. Um bipe avisou que havia uma nova chamada.
- Obrigada, Nick. Tenho que desligar. Tchau. – Apertei o botão e atendi a outra chamada. – Alô?
- Sel? – Era Demi. A única pessoa no mundo que me chamava por meu apelido de infância sem terminar com o nariz quebrado. Desculpa não ter ido à missa. Acabei presa no trânsito. Teve um acidente com um caminhão de cerveja, que tombou e interditou a avenida. Só consegui sair de lá agora há pouco, mas acabei de chegar à mansão.
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Seeks a Husband
FanfictionSelena sabe curtir a vida. Já viajou o mundo, é inconsequente, adora uma balada e é louca pelo avô, um rico empresário, dono de um patrimônio incalculável e sua única família. Após a morte do avô, ela vê sua vida ruir com a abertura do testamento. V...