As grades

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Darla

Ficar algum tempo sozinha nunca foi um problema para mim, desde que tinha quatros anos de idade que não sei o que é ter minha família ao meu lado, no fim das contas, fiz das meninas do Blue Light — internato onde moro — minhas irmãs, minha diretora Daiana — ou Daia para os íntimos — uma espécie de tia, o papel de meus pais foi assumido pela nossa coordenadora pedagógica Eveline e meu professor de literatura Nial. Essas pessoas foram as únicas constantes, ao longo dos últimos quatorze.

Pois segundo os registros do internato meu pai me deixou aqui, e ao longo dos anos vem custeando meus estudos mas nunca mais voltou, ligou ou se deu o trabalho de saber como estou. Já houve tempo em que senti dor e revolta por isso, mas hoje, só sei ser indiferente. Não o quero em minha vida assim como não me quis na dele. Não tenho memorias ou lembranças e isso é um alivio pois por isto, não tenho o porquê de sofrer.

No entanto, está chegando o momento de dizer adeus à eles também. Uma das principais regras do internato, é a que temos um prazo limite de permanência, que venha a ser, apenas seis meses após completarmos dezoito anos de idade. Uma vez que hoje é meu décimo oitavo aniversário, o relógio está começando a correr contra a meu favor, tornando-se o meu pior inimigo.

"O que devo fazer de agora em diante, a quem recorrer quando não tenho ninguém?"

Esse é um dos preços que deve se pagar, se você é uma das muitas crianças que cresceram sem saber nada de concreto sobre suas origens. Apenas a história que meu pai me deixou aqui após a morte da minha mãe.

Há muito, até mesmo os presentes em datas comemorativas pararam de chegar, não sei onde meu pai mora ou sequer se está vivo, em todo caso, prefiro pensar que sim, já é ruim o bastante não o ter por perto, imaginá-lo também falecido seria uma verdadeira tortura.

A única coisa que ainda me traz alguma alegria nesse lugar, que por enquanto ainda posso chamar de lar, é a visão dos céus que tenho todo fim de tarde. Quando posso admirar de longe nosso vizinho, James.

Acho que esse é o seu nome, já que não se pode confiar muito nas histórias de Bella, ela tem mania de colocar a si mesma e a mim em encrencas por não conseguir controlar sua mente criativa e foi ela quem me disse que seu nome seria esse.

Ele está como toda tarde, lindo de viver, na sua Harley Davidson preta, seu cabelo loiro bagunçado pelo vento, deixando-o ainda mais atraente. Automaticamente minhas mãos formigam tamanha a vontade de sentir a textura deles, deslizá-las por sua cabeça puxando-o para mim, acabando com o meu desejo terrível de experimentar seus lábios, que mesmo à distância me fazem ter a certeza que são extremamente macios e viciantes.

Um beijo, um único e mísero beijo seu hoje, faria deste dia sombrio o mais especial de todos. Mas sei que não acontecerá, ele nem sequer sabe que existo e que fico sempre o observando por entre as grades que cercam boa parte da propriedade. É bem verdade que não temos autorização para ficar assim tão perto das grades que nos separam da rua. Os monitores fizeram questão de nos proibir, na tentativa de evitar fugas das internas, que muitas vezes, no passado, retornavam grávidas das aventuras que viviam no mundo lá fora.

Fico vidrada ao vê-lo descer da moto, olho para a garota que estava até esse momento agarrada a ele. Hoje definitivamente não é o meu dia, além da contagem regressiva para minha partida ter oficialmente começado, agora isso, tenho que ver o cara com quem venho sonhando quase todas as noites, pelos últimos seis meses, com uma loira de nariz arrebitado agarrada às suas costas. Ela sorri toda satisfeita, com certeza por estar com ele. Sinto uma vontade inumana de arrancá-la de lá, mas nada posso fazer, ele não é meu para que o possa reivindicar.

"Ahhhhhh James, se um dia fosse meu..." Balanço minha cabeça para dissipar esses pensamentos, sei que eles são apenas efeito dos meus hormônios enlouquecidos, é claro que um cara como ele não iria reparar numa garota simplória, como eu.

Dou uma última olhada no meu sonho de consumo e sigo para a área interna do colégio, onde sei que Bella está tentando me fazer uma surpresa. Coloco minha melhor cara de paisagem e entro no refeitório sendo recebida com um coro de parabéns para você das minhas colegas mais próximas.

James

Sinto novamente aquela sensação logo que estaciono a minha Harley junto ao meio fio. É como se alguém estivesse a me observar, olho ao redor... nada! Acho que estou começando a ficar paranoico com essa sensação, não tem muitas pessoas na rua onde moro, na verdade, além da casa dos meus pais, há apenas o Blue Light, um colégio interno para garotas. Olho naquela direção e também não há ninguém.

Claro que não tem, elas são todas adolescentes, nunca devem ter conhecido um cara na verdade, nem ficariam o observando de longe. Sorrio internamente, um pensamento errante, de que eu bem que poderia ensinar um pouco da anatomia masculina a elas, afinal, tenho bastante conhecimento na área, como estudante de medicina uso meus próprios métodos.

Embora seja filho do diretor chefe e dono do grupo que comanda vários laboratórios de pesquisas e os hospitais de grande porte pelo mundo, a minha convicção de sucesso na carreira como patologista vem do meu esforço e dedicação aos estudos e não do privilégio familiar.

— Do que você está rindo? — Eloise olha-me curiosa, não percebi que estava deixando transparecer meu sorriso bobo. Ela me conhece bem, como prima e melhor amiga, sabe que costumo não sorrir à toa.

—Não estou sorrindo! — Tento me manter firme.

— Ah, estava sim, eu estou perdendo alguma coisa, uma nova conquista talvez? — Seus olhos ganham o brilho já conhecido de curiosidade.

— Não Eloise, nem estou atrás disso e você sabe bem o porquê! — Não preciso dizer que é um assunto proibido, ela entende bem a situação e não força a barra, melhor assim. — Como é, vamos estudar ou não?

—Vamos, senhor birrento, estou faminta e se me lembro, Lauren sabe fazer o melhor sanduíche do mundo!

Passo um braço ao redor de seus ombros e a trago para perto de mim, sou grato por sua amizade sem questionamentos, o que não encontro em mais ninguém, nem mesmo no meu pai que por algum tempo insistiu em querer controlar minha vida, sem nunca perguntar como me sinto a respeito.

Darla

A festa surpresa foi como esperado, sorrisos, brincadeiras e alguns presentes. Durante duas horas estive sorrindo feito criança, mas por dentro estava um fiasco de gente. A incerteza do futuro me atormenta. E se não conseguir sobreviver ao mundo lá fora? O que conheço do mundo se resume a quatro quarteirões do internato, salvo as poucas excursões que fizemos ao longo dos anos, onde sempre estive com medo de me arriscar. Ficava por perto dos instrutores, sempre pensando que poderia ser esquecida novamente.

Olho para a casa da frente através da janela do meu quarto e vejo asilhueta dele na varanda do segundo andar, como de costume está sozinhoenquanto olha o céu, em pé, sem camisa, deixando a vista seu belo abdômendefinido, com apenas o jeans pendendo em seus quadris, cabelo bagunçado, umaverdadeira tentação e bênção para os olhos das garotas com hormôniosenlouquecidos, sinto um calor se formando no meu interior, com as váriasimagens que minha mente evoca só em vê-lo. Tenho desejo de deixá-lo fazercertas coisas comigo e isso é tão abrasador que saio em disparada para obanheiro, um bom banho frio se faz necessário essa noite, caso contrário, incendiariao internato inteiro. b@@!oٷ

O  Vizinho...  Desgustacao (Na Amazon)Onde histórias criam vida. Descubra agora