No olho do furacão

O homem sem rosto

Eu não conseguia acordar. Apesar de saber que era apenas um sonho, não conseguia abrir os olhos. Era um típico pesadelo onde eu não conseguia me mexer ou gritar e assistia tudo como uma telespectadora. Estava caída perto do quarto, quase podia sentir o sangue que escorria da minha pálpebra. Ele estava virado na minha direção, mas não olhava para mim. Infelizmente, ele olhava para minha mãe. Seu rosto estava coberto por sombras. Era uma noite muito escura, até a lua se escondia na escuridão. A chuva caía sem trégua e a luz já tinha ido sem deixar rastros. Apenas os relâmpagos iluminavam naquele momento.

Só que eu não precisava ver, se pudesse gostaria de nunca ter visto. O chão de madeira estava vermelho, havia sangue nas paredes e na camisa branca dele. Ela quase nem se mexia mais. Ele, por outro lado, não parava de bater no corpo semimóvel dela da minha mãe. Tudo o que eu sentia era medo. Sabia que ela estava quase morta e nem sei se me importava em ser a próxima. A vida parecia muito insignificante naquele instante.

Eu me lembro de desmaiar. Achei que a morte finalmente havia chegado para me levar. Me lembro de pensar que passei a vida toda achando que morrer era branco ou preto, mas tudo o que via eram flashes vermelhos. Depois veio o barulho, parecia ao mesmo tempo distante e ensurdecedor e só então percebi que estava viva. E eu senti dor. Não fisicamente. E quase não suportei. Meu coração parecia ter encolhido até caber em uma caixinha de aliança. Chorei até não poder mais. Talvez por alívio por ainda estar viva, talvez por medo, talvez porque sabia que minha mãe estava morta.

Quando entrei na ambulância o vi. Estava sendo escoltado por dois policiais. Sua camisa estava tão manchada que nem dava pra notar a cor original. Mesmo com toda aquela luz ainda não conseguia ver seu rosto. Com o tempo, eu me esqueceria completamente. Os psicólogos diziam que bloquei essa memória na minha cabeça e possivelmente nunca me recordaria novamente. No fim, passei a chamá-lo de homem sem rosto.