A caixa mágica

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Ouvi essa história por aí, nas rodas de bate-papo, entre um cafezinho e outro. Todo mundo sabe que é nessas mesas anônimas, entre uma xícara e outra – e, muitas vezes, entre um copo de cachaça ou de cerveja – que a gente ouve todo tipo de história; algumas são boas para dar risada, mas outras são escabrosas, do tipo que a gente quer fingir que não ouviu porque dão pesadelos à noite, quando o sono não vem e a noite é infinita.

Pois é, essa é uma dessas histórias de botar medo na gente.

Quem me contou foi um amigo de um amigo meu e disse ele que a história era de um amigo de outro amigo dele. Você sabe como são essas histórias...

O caso é que tinha uma família, disseram que era no interior do estado, mas talvez fosse no litoral, nunca se sabe, que um dia recebeu uma caixinha de madeira, muito ornamentada, muito chique, com flores douradas no tampo. Dissera o carteiro que não havia remetente, nem nada, mas como a caixa era muito bonita, a mãe resolveu ficar com ela e o pai disse que ela poderia valer algum dinheiro.

Deixaram a caixinha na sala, em cima da televisão, que os filhos não sabiam nem queriam saber de onde vinha, mas o pai sabia muito bem que era de uma aposta com um aparentado, uma aposta da qual ele se gabava, mas a mãe achava que ele devia se envergonhar.

Naquela noite, resolveram abrir a caixinha e descobrir o que de fato havia dentro dela, já que durante todo o dia um aroma muito delicioso perfumou a casa. Foi de acordo da família que todos estivessem na sala, em volta da mesa, para observar o pai abrir a curiosa caixinha.

O tampo, aquelas flores, só podiam ser de ouro – disse o pai, muito satisfeito, e emendou dizendo também que no dia seguinte daria dois dedinhos de prosa com o ourives da cidade para saber quanto aquela caixa valeria. O conteúdo deveria ser melhor ainda, se a caixa parecia tão valiosa. A mãe, animada, arriscou que fossem joias, quem sabe um belo colar para colocar em volta do seu pescoço, ou brincos de ouro para enfeitar as orelhas na festa de São João. O pai disse que só poderia ser dinheiro ou algo muito valioso. Um dos meninos disse em voz alta que com certeza era um pião, os outros meninos abriram grandes sorrisos, mas o pai logo disse que um pião não valia de nada e que não escolheriam uma caixa tão bonita para guardá-lo.

Ninguém acertou o que havia dentro da caixa.

No final, havia um punhado de grãozinhos minúsculos, escuros e acinzentados. Entre eles, havia alguns grãozinhos verdes também. Tudo cheirava maravilhosamente bem, porém, mesmo assim, o pai largou a caixinha, decepcionado, e disse que aquilo não valia nada. “Uma caixa tão chique e nada dentro?” As crianças também não esconderam seu desinteresse; logo saíram da sala e voltaram às suas próprias atividades.

A mãe, porém, continuou segurando a caixinha e sentindo aquele aroma maravilhoso. O aspecto não era muito bom, mas o cheiro... Sozinha, já que o marido e os meninos estavam muito ocupados em seus afazeres, ela foi até a cozinha e colocou a caixinha sobre a pia. Havia feijões ali a serem escolhidos para o jantar. Ela sentiu novamente aquele cheiro delicioso que se espalhava pelo ambiente. Um pouco relutante, resolveu pegar um punhado de grãos nas mãos. Mexeu neles com os dedos e, corajosamente, provou-os na língua. O sabor era incrível!

Sorrindo, a mãe teve uma ótima ideia.

O jantar daquela noite foi um sucesso. Todos elogiaram o delicioso feijão, que possuía um sabor jamais provado. As crianças, que sempre reclamavam da comida saudável, até repetiram. O pai comeu três pratos. Quase não sobrou para o dia seguinte. A noite foi só de alegria.

Nos dias seguintes a comida maravilhosa se repetiu à mesa. Feijão, arroz, carne, ensopado, frango. A mãe usou o maravilhoso tempero da caixa mágica em todos os seus pratos. Logo, até vizinhos queriam provar de suas iguarias. A fama se espalhou pela cidade.

Só que, uma semana mais tarde, um dos meninos, o mais novo, teve uma dor de barriga horrível. Vomitou muito e ficou de cama. Levaram-no ao médico, que não descobrira nada.

Três dias depois o pobre menininho dormia dentro de uma caixa de madeira.

Foi uma tragédia. O menino era ainda tão pequeno, que a caixa que foi seu descanso final era só um pouco maior do que a tal caixinha mágica. As lágrimas da mãe e da família mal secaram e, dois dias depois, mais um dos meninos caiu de cama.

O desespero foi total, mas o médico não conseguiu fazer nada. Logo, o menino foi se juntar ao irmãozinho em outra caixa de madeira.

Não demorou muito para que o menino mais velho e o pai caíssem de cama. E logo a mãe também se foi. E alguns vizinhos também sentiram a mesma dor. E por todo o lugar correu o boato de que a cidade estava amaldiçoada, que o demônio tinha feito aquilo com aquela boa gente e que os pecados foram removidos.

Havia todo tipo de história.

O que as pessoas não sabiam era que havia uma caixa aparentemente mágica na cozinha daquela pobre família. A caixa continha um tempero de aroma delicioso, escuro e granulado. Porém, a mãe jamais utilizou todo o tempero da caixinha, de modo que não viu nem tinha como ver o pequeno pedaço de papel que havia no fundo da caixa, debaixo do tempero.

“Seu maldito, essa são as minhas cinzas. A tua aposta me tirou tudo que eu tinha. E agora vou tirar tudo que é seu. Você vai provar seu veneno, demônio.”

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