Capítulo Único

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"Go and take this the wrong way
You knew who I was with every step that I ran to you
Only blue or black days
Electing strange perfections in any stranger I choose"

Há quem diga que eu não sou uma das pessoas mais sãs desse nosso mundo. Balela. Estou ótimo. Não me importo com aqueles que insistem em contrariar.
Já me chamaram de canalha, galinha e cafajeste. Pela cidade, circulam uns boatos de que eu dormi com oitenta e sete mulheres até o dia de hoje. Calúnia. Não tenho certeza sobre o número exato, mas não foram mais de oito. Não faço ideia de onde saiu tal quantia absurda.
Mandaram-me à terapia. Diziam que eu sofria com a Síndrome de Don Juan – um transtorno caracterizado como a necessidade compulsiva por sedução. O terapeuta disse que não. Eu sabia que não. Eu podia apresentar alguns sintomas, mas não todos.
Você deve estar se perguntando quais sintomas apresento, de fato. Explicar-lhe-ei um pouco sobre a síndrome, se permitir. Prometo não me estender muito.

"Would things be easier if there was a right way?

Honey, there is no right way. "

Caracteriza-se por um envolvimento sexual com fracasso emocional. O indivíduo portador apresenta uma atração fugaz que logo desaparece. Vamos ao ponto onde me encaixo: não amei nenhuma das mulheres que passaram por minha vida de forma extrafamiliar. Não amei uma moça sequer. Mas amei pedaços de cada uma delas.
De Olívia, amei os longos cabelos. Iam até sua cintura, em madeixas onduladas bem marcadas, queimadas pelo sol.
De Jéssica, amei a boca. Os lábios grossos e rachados que raramente apresentavam a pele por completo. Ela sempre os mordia até arrancar um pedacinho que fosse.
De Mirella, amei o tronco. Braços longos com a força de alguém que não ganhou nada na vida de mãos beijadas. Seios volumosos, mas sem exageros, que se encaixavam perfeitamente em seu corpo. Não era absurdamente magra e nem ligava para isso.
De Luciana, amei o desenho do rosto. Uma simetria assimétrica, mas perfeita a meu ver. Sobrancelhas grossas, nariz fino e bochechas macias. Cílios cheios e longos. Queixo quadrado. Pele morena.
De Thabata, amei as pernas. Com todas as estrias e uma cicatriz acima do joelho. Coxas e panturrilhas que não eram nem finas e nem grossas. Afinal, isso é relativo e minha opinião divergiria da sua.
De Regina, amei os olhos. Regina fora minha Capitu. Olhos grandes, olhos de ressaca. A maresia em sua íris me puxava para sua pupila. Os olhos de cigana oblíqua e dissimulada dos quais Machado sempre falara.
Mas não amei Olívia, Jéssica, Mirella, Luciana, Thabata ou mesmo Regina. Amei pedaços. Amei todas ao mesmo tempo. Apaixonei-me pelo todo que fragmentos delas formavam. E, por isso, desenhei-os.
Meu escritório era uma declarada bagunça. Papéis, roteiros, pôsteres, rascunhos, brinquedos, esboços e ela. Lá estava ela. Ao fundo do cômodo, uma tela do tamanho de meu próprio corpo mostrava minha maior obra de arte. Montei a mulher de meus sonhos com tudo aquilo que um dia me encantou. E naquele desenho meio disforme, encontrei a única pessoa que eu poderia realmente amar por inteiro algum dia.

"And so I fall in love just a little, oh a little bit every day with someone new

I fall in love just a little, oh a little bit every day with someone new
I fall in love just a little, oh a little bit every day with someone new
I fall in love just a little, oh a little bit every day with someone new "


*****


- Jay, os organizadores da festa querem saber quantas cadeiras extras terão que ser colocadas no salão. – Meu secretário entrou quase voando em meu escritório pela quinta vez só na última hora.

- Não sei, cara. Umas vinte devem ser o suficiente.
- Certo. Vou avisá-los.
A porta foi fechada com um estrondo e Rick gritou um pedido de desculpas do lado de fora. Bufei, não pelo barulho, mas por que estava realmente exausto. Não dormia há aproximadamente cinquenta horas e nem os energéticos conseguiam fazer com que eu mantivesse meus olhos minimamente abertos a essa altura.
Com a première, a festa de lançamento e todos seus respectivos ajustes finais, eu mal tinha tempo para fazer qualquer coisa do lado de fora daquele maldito prédio. Eu só comia e ia ao banheiro porque tinha como fazê-lo sem sair de lá.
A papelada que eu segurava parecia estar escrita em hieróglifos. Minha vista embaçava e eu já não conseguia mais manter o foco e ler aqueles malditos contratos.
Desisti de tentar e acabei encostando a cabeça sobre a mesa e fechando os olhos.



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