Não existe fazenda como a do Seu Juvenal. Lugar maluco. E tudo por cauda dos bichos.
Todo mundo solto, nada de grade, gaiola, coleira, pois Seu Juvenal diz que jamais faria isso com sua família verdadeira.
Toda noite, toca sua viola, acompanhando afinados e desafinados com a mesma empolgação.
E na fazenda cada animal tem uma função, o que às vezes dá uma confusão!
Você já viu girafa jardineira, elefante na porteira ou tartaruga conselheira?
Ali tem.
Tem também ganso guarda-costas e um avestruz na cozinha fazendo o que cada um mais gosta. Estou falando da Gertrudes, que ajuda Dona Chica cozinheira a preparar a refeição da bicharada.
Preparar não, o forte mesmo da Gegê é provar, já que nada melhor que um estômago de avestruz para provar coisas tão diferentes.
E quando Gertrudes não quer engolir algo, foge e esconde a cabeça por aí.
Mas o que Dona Chica e ninguém desconfia é que entre os animais a Gegê é a mais popular.
Sabe exatamente o que cada um prefere comer e capricha na sua função, pois sonha em um dia comandar a cozinha... Sozinha.
Nem parece a mesma Gegê que quando chegou, vivia com a cabeça enfiada na terra, envergonhada por estar sem função.
E só após longas conversas com a Dora tartaruga, descobriu essa vocação.
Até o dia em que seu Juvenal chegou com uma turma diferente: um crocodilo e uma cobra, os únicos que ficariam num cercado perto do lago.
Gertrudes foi a primeira a se aventurar até lá para ver o que gostariam de comer.
- Olá sou a Gertrudes, chefe da cozinha!
- Ha, Ha, Ha, que lugar maluco! Um avestruz na cozinha – desdenhou o crocodilo.
- Por mim hoje você seria o prato principal! – Sugeriu a cobra assustadora.
Gertrudes correndo dali gritou indignada:
- Talvez gostem de biscoitos integrais, pois já aviso que aqui nenhum animal vira refeição!
No outro dia Gertrudes foi acordada por um Bééé desesperado:
- Gegê, venha logo! Raptaram a Dora! Os patifes querem falar contigo! – Berrou Dolly, a ovelha pastora do gado, dona de um Bééé tão estridente que nenhuma vaca conseguia suportar.
- Mas quem fez isso? – Falou Gertrudes acompanhando a correria da Dolly.
- Os novos do lago! Venha depressa! Bééé, que tragédia! – Berrou Dolly.
Quando chegaram ao lago, toda a bicharada estava em volta da cerca, um mais indignado que o outro. Só se animaram ao ver a chegada da Gegê, que era capaz de dar nó até em pingo d'água.
Ao avistar Gertrudes o crocodilo foi logo ordenando:
- Ôoo da cozinha, o negócio é o seguinte, não venha nos mandar aquela lavagem novamente, entendeu? Queremos refeição decente! Senão vai sobrar para velhinha aqui! - Disse o crocodilo com a pata em cima do casco da Dora.
- Acho melhor você não mexer com a Dora, ela é a mais antiga da fazenda, o xodó do Seu Juvenal! E se ele souber... ai, ai, ai... você vai se dar mal, igualzinho ao Filisteu. – Disse Gertrudes com aquele olhar de quem avisa amigo é.
- Que história é essa de Filisteu? – Gritou furioso, mas já com a pulga atrás da orelha – Se não aparecer uma refeição decente aqui em dois minutos, adeus tartaruga conselheira.
- Não é história não! Você não sabe que o peixe morre pela boca? Amigo, o Seu Juvenal está para chegar da pescaria! Verá todo mundo olhando para você com a prova do crime! - Avisou Gertrudes.
- Que prova do crime? - Gritou o crocodilo impaciente.
- Acha que vai conseguir devorar rapidinho esse casco duro aí da Dora? Ela já deve ter uns 100 anos e isso está duro como pedra, nem com estômago de avestruz! E se não acredita em mim, em menos de dois minutos eu posso te apresentar o Filisteu!
- Duvido! – Respondeu irônico o crocodilo, pois sabia que avestruz não voa, mas não sabia que a Gegê era campeã de corrida.
Num piscar de olhos ela correu até a casa, trazendo no bico um par de botas de couro de jacaré.
- Amigos, aqui está o finado Filisteu! – Falou Gegê soltando o objeto no chão perto da cerca.
Distraídos com a cara de espanto do crocodilo, nem perceberam que Dora saía de fininho do cercado e que Seu Juvenal chegava em seu pequeno barco a motor, curioso com aquela reunião fora de hora.
- Mas que bagunça é essa? – Gritou Seu Juvenal, se aproximando do cercado que já não o agradava. Todos se afastaram revelando o instante em que o crocodilo se aproximava para examinar a bota. A cobra ligeira fugiu, mergulhando no lago.
-Ora, ora! O que estas velhas botas fazem aqui? –Falou seu Juvenal.
E olhando para o animal nada simpático dentro do cercado, Seu Juvenal concluiu sorrindo:
- Sabem que vocês me deram uma excelente ideia? - Completou ao se afastar com suas valiosas botas, tirando a caneta da orelha e escrevendo algo na mão.
E naquela noite, na cantoria ninguém prestou atenção, só o que se viu foram lágrimas de crocodilo.