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Dou-lhe três escolhas, e escrevo com letra de máquina de escrever em uma tecnologia do século XXI. Procurarei não vaguear tanto quanto é de costume, procurarei ser direto. Embora eu não possa dizer quem você é. Espero que tenha a perspicácia de absorver cada detalhe mínimo e único que aqui será registrado.

— Estamos aqui, hoje, para aplicar a pena necessária e justa a esta moça. – Disse o juiz. – Não nos apressemos, afinal, não estamos amparados pela lei que rege os homens.
Assim se iniciou a cerimônia de fórum tão incomum, os homens se rodeavam ali para condenar. Sim, eu sei o que está pensando agora: nos tempos atuais também nos rodeamos para condenar, isto de forma alguma é incomum. É, decerto, vocês não mentem, caros leitores. Porém a natureza estranha do que está para acontecer cumpre alguns pré-requisitos que lhes contarei ao longo desta narrativa.
— Os crimes cometidos por esta jovem não podem, em hipótese alguma, ficar impunes! Eu exijo que ela seja decapitada, não por ela ser igual aos nossos heróis, mas pela necessidade de eliminarmos de qualquer irrigação sanguínea mente de tamanha perversão. – Bradou um dos presentes, brado que provocou uma exaltação nas vozes em toda sala. Vozes de concordância e vozes que diziam: como este bárbaro ousa estar presente?; não estamos em guerra, cale-se.
O juiz, com tamanha delicadeza, pediu calma e todos calaram-se.

— Senhorita, – convocou o juiz – ponha-se de pé e venha até aqui. – Uma moça branca como a folha em que rabisco estas palavras levantara-se, dando poucos passos estava à frente do juiz. Uma das peculiaridades deste júri acaba de ser observada: a moça em questão estava vendada com um pano preto e grosso. Parecera ser feito de algodão e era claro o objetivo, ela não deveria ver absolutamente nada. – A senhorita tem consciência do porquê de estar sendo inibida de usar a visão?
— Tenho, – falou com paciência, suspirando cada átomo de oxigênio separadamente e expirando todo o CO2 que seus pulmões dispensaram – embora que ainda esteja em minha mente a certeza de que isto é um ultraje e não passa de um gesto de homens acovardados.
Não, não houve qualquer manifestação posterior à frase, parecia que todos consentiam com a afirmação da jovem. Ela não estava eufórica nem curiosa, apenas estava presente. Parecia ter plena consciência de tudo o que aconteceria.
— Senhorita, qual é o seu nome?
Ela não respondeu.
O silêncio manteve-se.
O juiz, quase um minuto depois, repetiu a pergunta.
— Senhorita, pode nos dizer seu nome?
— O que farão com um nome? Esta informação é irrelevante, visto que alguns até desejam a minha morte. Um nome. Não permitem nem que eu os veja mas me obrigam a dizer o meu nome. – Esta fala durou um minuto, começando com um súbito levantamento de voz e transformando-se em um quase murmuro. Permitindo-se ser ouvida apenas pelos mais próximos a ela.
— Chamem-na de Europa. – Exclamou um homem que se distinguira dos outros abruptamente.

"Um túmulo basta agora àquele a quem não bastou o mundo inteiro. "

— Quem é você? – Perguntou Europa virando sua face em direção à voz. — Posso reconhecer sua voz como familiar.
— É por me conhecer, Europa. Por isso reconhece.
O juiz parece inquieto, como se algo o impedisse de se controlar, perguntou em um brado ao homem ímpar: — O que faz aqui, de Vigo? Melhor, por onde andou?
— de Vigo? Não conheço nenhum "de Vigo". Está a me confundir, Excelentíssimo.
— Não, decerto não estou. Você deveria estar morto, neste exato momento.
— Sinto dizer que não estou morto. — Respondera como se quisesse transmitir a toda aquela sala que falava verdadeiramente aquilo. Calmamente.
Ouvia-se murmúrios, conversas em baixa voz, segredos compartilhados naquela sala. O que falavam eu não estou autorizado a lhes contar. Mas o tom era de angústia. Todos sabiam exatamente quem era aquele homem que, com bela sagacidade, parecia ignorar o fato de ser quem era. De estar onde estava.
Eu não tenho a certeza se ele realmente era quem diziam: de Vigo. Nome espanhol, na verdade de uma cidade situada no noroeste espanhol, ao norte de Portugal, a poucos quilômetros de Braga. Sendo este ou não, chamá-lo-ei assim, até descobrir seu verdadeiro nome.
de Vigo estava muito bem vestido, com calças pretas de fino tecido. Uma espécie de terno não convencional completamente preto, a camisa de dentro também era negra, porém contrastava por ter um tom mais escuro. Portava um relógio de couro negro no pulso esquerdo, o qual marcava exatamente uma hora. Se era noite ou dia não importava.
Realmente isso era o que menos importava, analisemos o cenário: um homem que deveria estar morto e que não se sabe quem é; uma mulher branca vendada, da qual não se sabe o nome, apenas um apelido que foi informado pelo sobrevivente supracitado: Europa; um julgamento que não está amparado pelas leis dos homens. É um sanatório, tudo não passa de uma ilusão dos internos da Casa Verde. E o juiz, quem era o juiz?
Eu não sei, estou tão confuso quanto vocês. Este não é um romance adolescente.

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