A escuridão do sonho fora iluminada por um clarão vermelho, um grito de sofrimento arde em meus ouvidos, após aquele agonizante guinchado. Meu corpo ardia, o mesmo ardor de queimar a pele durante o banho ou pisar descalço na areia quente.
O quarto pareceu menor quando abri meus olhos, não que meu quarto fosse grande nem nada do gênero, mas o barulho do despertador foi tão forte que alguém reclamou do outro lado do corredor. Demoro uns cinco minutos para levantar e desligar o relógio barulhento.
Mesmo estando escuro pego o uniforme da escola em cima do criado mudo e o visto rapidamente sem enxergar muito os botões da camiseta branca, depois teria que conferir pra ver se não tinha pulado nenhum buraco. Meu crachá de reconhecimento estava logo ao lado da cômoda feita de caixas de madeira, termino de vestir a saia e em seguida as meias negras, mesmo elas estando desbotadas e ocasionalmente furadas.
Ando até banheiro, meu irmão estava escovando os dentes ele me olha de cima a baixo, para nos meus pés, acidentalmente eu tinha colocado pares de meias diferentes, mas não diz nada. Roberto era um ano mais velho que eu, muito mais rígido, ao ser rígido queria dizer chato mesmo. A partir de hoje estaríamos na mesma escola, ganhamos duas bolsas integrais graças em um sorteio há dois anos atrás, mas até esse ano eu não tinha idade suficiente.
Não seria possível monstros estudarem juntos com humanos, mas o lorde responsável por nossa cidade possibilitou a interação de jovens de raças distintas em algumas escolas diurnas específicas, já que a maioria do daemons têm hábitos noturnos. Esse tipo de integração havia sido instituída há mais ou menos cinco anos.
O que eles ensinavam na escola? Roberto me disse que nos davam a base da cultura daemon, ensinavam gerenciamento de negócios, matemática, física e economia doméstica.
Não conseguia compreender porquê de nós seres humanos sermos considerados a última fileira da pirâmide social, nos comparavam com roedores mutantes que vivem debaixo do esgoto. Não, não morávamos no esgoto... Pessoas com pouco dinheiro viviam nas zonas rurais trabalhando em péssimas condições, a classe média, como eu que morava nos subúrbios das cidades. É claro que eles podiam aceitar alguns humanos ricos, esses seriam os filhos bastardos de alguns daemons que enriqueceram ao passar dos séculos.
Os de minha raça precisavam de permissão para sair do subúrbio e entrar na cidade propriamente dita. Como era estudante tinha meu crachá como reconhecimento de entrada. Para chegar à escola a tempo era preciso acordar muito cedo, pegar um ônibus, utilizar o metrô e andar dois quilômetros. Todo esse trabalho para conseguir uma boa educação, só assim conseguir um bom emprego para obter uma vida "mais digna", provavelmente sendo atendente de alguma loja ou empregada doméstica.
Roberto estava na porta com olhar de impaciência, seus olhos azuis acompanhavam meus movimentos, calço os tênis, enquanto ele batia os pés impacientemente.
- Lola. Vamos chegar atrasados no seu primeiro dia de aula. Não quero que tenham uma má impressão de você.
Não mencionei que Roberto era um aluno modelo, além de ser o representante dos alunos humanos. Nossos pais já haviam saído para trabalhar, papai era operário em uma firma e mamãe secretaria em um escritório. O que eles ganhavam mal dava para comprar comida ou roupas, então Roberto precisava trabalhar também. Meu irmão fazia estágio na escola e dava aulas particulares no seu tempo "vago".
A fome assolava meu estomago, mas nada podia fazer além de me lamentar e esperar o almoço durante o intervalo escolar. Os corredores do subúrbio eram muito estreitos, as casas totalmente grudadas uma em cima da outra, era difícil enxergar alguma coisa além das escadas e fios de eletricidade distribuídos de forma aleatória que impediam a visão plena do céu. A manhã estava escura, muitas lâmpadas eram apagadas enquanto corríamos em direção ao ponto. Não sei quantas vezes tropecei em degraus invisíveis provocando ainda mais a impaciência de meu irmão chato. Estava ofegante e exausta quando cheguei ao ponto onde o motorista quase partia, tive de colocar o pé na porta do ônibus impedindo-a de fechar para que não nos deixassem ali.
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Shadow
FantasySinopse: Imagine um mundo onde criaturas dos livros existem e a humanidade não passa de uma raça inferior a muito tempo escravizada e explorada pelos tão poderosos daemons. Lola vive nessa dimensão perturbada, ela é uma mera humana a mercê da sorte...