Capítulo 2

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Rebecca! a garota que na época parecia ter onze anos, ouviu seu pai chamá-la.

Desceu as escadas apressada e pulou no colo do pai, que havia acabado de chegar em casa.

Feliz aniversário, meu anjo. Papai trouxe um presente pra você disse o homem.

A barba rala, as olheiras e a expressão cansada entregavam à garota todas as coisas que ele decidia esconder dela e que ela sempre acabava descobrindo, mais cedo ou mais tarde.

Anda trabalhando muito de novo, não é? a garota indagou preocupada, fazendo o homem esboçar um meio sorriso enquanto maneava a cabeça.

Eu estou bem, querida, não se preocupe. Agora, que tal irmos ver o seu presente? disse docemente, olhando a garota nos olhos.

Então, tudo que ela pôde fazer foi abrir um largo e iluminado sorriso e arrastar o pai pela mão até à sala, onde ela sabia que o seu novo brinquedo a esperava.

Naquela manhã, Rebecca acordou assustada e estranhamente animada. Aparentemente, as lembranças doces do passado haviam a feito ganhar forças de algum jeito. Um jeito bom. A garota se conformava aos poucos com a perda do pai. Agora ela sabia que tinha que tocar a sua vida sem ele. Não poderia ser o fim do mundo. Ela tinha dezesseis anos, embora soubesse que sua tia não a deixaria desamparada, sabia tomar conta de si própria sozinha e além do mais, não gostava de incomodar a ninguém.

Em algum momento no meio de todos os últimos acontecimentos, Rebecca planejara trancar a casa, deixá-la sozinha por um tempo e alugar uma quitinete no interior de alguma cidadezinha. Não havia terminado os estudos, e por hora, não pensava no assunto. Rebecca planejara simplesmente sobreviver. Mas antes de poder pensar em mais alguma coisa, a garota que ainda tomava seu café, foi engolida por mais uma lembrança de seu passado.

Vamos Becky, me ajude a colocar a estrela da árvore David disse, pegando a filha no colo para que ela colocasse o enfeite no topo da árvore de natal.

A essa altura, toda a casa já estava preparada para o natal. Enfeites, berloques, sinos e guirlandas. Só faltava mesmo era a estrela da árvore, aquela que todos os anos quem colocava era Rebecca, que sempre era erguida pelo seu pai, mesmo no auge dos seus doze anos de idade.

Os natais da família Anka sempre eram cheios. Amigos, parentes, vizinhos e sócios dos Anka comemoravam a tão esperada noite na mansão de David Anka. E tanto ele quanto sua filha adoravam ver a casa repleta de pessoas e cheia de vida. Depois de esticar os braços, Rebecca conseguiu, com mais facilidade a cada ano que passava, colocar o enfeite no topo da árvore. E, assim que seus pés encostaram no chão, a garota sorriu e jogou os seus finos braços pálidos ao redor de seu pai, apertando-o com toda a sua força em um abraço.

Está quase na hora, os convidados vão chegar a qualquer momento, melhor você ir se arrumar papai disse a garota, calma e serena.

Ela parecia mesmo com o pai, sempre achara. Nunca pôde comparar sua aparência com a de sua mãe, que nem ao menos se lembrava do rosto.

Assim que afastou a xícara da boca, Rebecca já limpava as lágrimas que rolavam de seus olhos. Estava decidida a fazer todo o esforço, amor e carinho que seu pai deu sozinho a ela, valer à pena. Foi a ultima coisa que lhe veio à mente antes de um novo filme de lembranças começar a rodar em sua cabeça.

Bom dia, papai Rebecca saudou o pai assim que entrou na cozinha.

Era mais um dia comum para ambos, a única diferença era que agora, Rebecca não ia mais para a escola acompanhada de seu pai. No dia anterior a garota havia sido informada de que fora aprovada para ir para a última série de sua vida escolar. David, Rebecca e alguns amigos próximos haviam saído na noite passada, era apenas uma reuniãozinha em um dos restaurantes prediletos de Rebecca. David teve de voltar logo para casa, pois no dia seguinte teria que trabalhar; mas Rebecca convenceu seu pai a deixar-lhe aproveitar a noite um pouco mais, então, ela e suas amigas foram parar em uma boate  — onde não foi difícil entrar, visto que, por alguma razão, eles não lhes pediram qualquer documento —, dançaram a noite inteira e agora, justo no dia que Rebecca prometera ao pai que visitaria sua usina com ele, ela estava com enxaqueca.

Bom dia, Becky David respondeu a filha, sorriu e tomou mais um gole de seu café Pronta para ir comigo à Usina?

Rebecca sorriu, sem jeito, para o pai. Ela odiava faltar aos seus compromissos, ainda mais quando seu pai havia sido tão legal com ela na noite passada. O que geralmente era do feitio dele.

Estou um pouco indisposta. Fui dormir tarde e acordei com enxaqueca. Mas se me der mais dez minutos estarei pronta e então, a garota abriu o seu característico sorriso doce.

Melhor você ficar, então disse David, compreensivo Vai ser um longo dia e não quero que a sua enxaqueca piore. Pode me acompanhar outro dia.

Obrigada, papai.

A garota caminhou até seu pai, e lhe deu o abraço mais apertado que conseguiu, sorriu, beijou a sua bochecha e só então desgrudou do pai.

Agora vá descansar. Vou sair antes que eu me atrase. Te vejo à noite, meu anjo disse enquanto levantava da mesa, dando um ultimo beijo na filha Eu te amo.

Também te amo, papai Rebecca disse, entre risos, e se foi.

Mas depois disso nunca mais teve uma nova conversa com seu pai. Era uma despedida, mas nenhum dos dois percebeu isso.

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