Untitled Part 1

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Cravava as pontas dos dedos nas palmas das mãos com tanta força que mais tarde a esposa perguntaria se ele tinha cortado as unhas. Afinal, naquele momento, as fincava tão compulsivamente nas palmas suadas que estas levemente cortavam a pele, fazendo com que o sangue ficasse preso na barreira fina de tez que lhe sobrava.

Tão preso quanto o próprio Alberto, nas algemas frágeis que invisivelmente o impediam de continuar.

- Alberto? – chamou a mulher de meia idade. Loura, estatura mediana, roupas em cor neutra e um sorriso acolhedor.

Para a sociedade, sua nova psicóloga.

Para Alberto, sua última esperança.

- Sim... – soou em um sussurro tímido, como quase 90% dos pacientes que, pela primeira vez, se encontravam com seu psicólogo. Os outros 10% continuariam da mesma maneira até a última sessão, mas Alberto não sabia disso.

E a psicóloga, acostumada, também não pareceu se incomodar.

Tinha deixado seus pensamentos e opiniões do lado de dentro de casa, quando saíra pela porta naquela manhã.

- Vamos lá? – convidou de maneira acolhedora, fazendo uma mínima reverência quase que imperceptível. Alberto, ao menos, sequer notou. Não quando forçou um sorriso sem graça, e assentiu constrangido.

Chegou a sentir as solas de seus pés levemente deslizarem pela palmilha do sapato quando ficou em pé. Só então notou o quanto suava. Era como se sequer usasse meias, ao contrário do restante das roupas que, àquela altura, pareciam se colar ao encontro de seu corpo. Principalmente nas costas.

Se era sua imaginação? Ele nunca saberia.

E a psicóloga também não parecia achar tal informação relevante.

Tanto que o acompanhou em silêncio, ainda que com aquela expressão tranquila, por todo o caminho.

Dentro da sala, o homem sentou-se tão desconfortável quanto. A verdade era que ele queria correr para longe dali. Mas o fato de saber que não seria capaz de correr também de si mesmo parecia cravar seus pés no chão. Tão juntos que a

pressão entre os joelhos seriam denunciadas por marcas avermelhas mais tarde, mas com as mãos os cobrindo, ele sequer se importava.

Por que ele dentre tantas pessoas? Sempre se perguntava.

Ou melhor... Por que seu filho dentro tantos?

O desespero lhe rasgava.

- Alberto? – foi só então que ele notou que tinha os olhos presos e cravados na mesa marrom, suando frio depois de vai saber quanto tempo de espera da psicóloga que, compreensiva, continuava o olhando com toda a paciência do mundo. – Como se sente? Quer me contar o que te levou a procurar ajuda?

Alberto assentiu. Ou talvez só estremeceu.

- Eu não sei mais o que fazer... – e sussurrou, fincando as pontas dos dedos nos jeans surrados.

- Sobre o quê? – perguntou calmamente, com aquele olhar tranquilo.

- Eu... – gaguejou, tentando dizer. Mas de repente as palavras se embolaram tanto em sua garganta que o homem, tentando as colocar em fila, obrigou-se a engolir até a saliva que não tinha. – Há dois anos... Eu tenho sentido... Vontades estranhas...

- Que tipo de vontades?

- Meu... Filho... – e só então, desviando os olhos pela quantidade de nojo que o envolvia, a mulher pôde notar o quão vermelhos estavam seus olhos.

Pranto? Drogas? Insônia?

Insanidade?

- Me... Ajuda... – ergueu uma das mãos em câmera lenta, buscando no inferno o último fio de força que tinha fugido de sua mente que ele considerava podre.

Tão podre quanto a vida desgraçada que tentava levar diariamente.

- Alberto... Primero coloque tudo o que consegue pra fora... Tudo o que está preso. Tenta deixar sair. – pediu com calma, cuidadosamente lhe empurrando uma caixinha de lenços.

Que ele completamente ignorou, limpando o ranho, ou quem sabe fosse suor, de seu nariz com as costas de uma das mãos trêmulas.

- Eu nunca me... Senti atraído por homens, mas... Há uns dois anos... – fez uma pausa, fungando com tanta força que o som do catarro indo em direção a sua garganta ecoou.

Mas ele não notou.

- Eu sinto vontade de... Tocar... Meu... – e foi aí que ele explodiu, levando as mãos em punhos cerrados ao encontro dos olhos, caindo em um pranto tão nervoso que... – Filho... – sentia seu corpo se rasgar de dentro pra fora. – Me ajuda... Pelo amor de Deus... Me ajuda... – chegando a sentir seu corpo todo balançar, enquanto o choro contínuo o tomava pela terceira vez somente naquele dia. – Me... Ajuda...

Fazendo com que a psicóloga, em silêncio, puxasse ela mesma um lenço, carinhosamente lhe entregando.

- Tá tudo bem... – soava otimista, e alcançava uma das mãos do homem com a ponta do tecido delicado. – Você está seguro aqui... E vai conseguir vencer.

- Eu não sei mais o que fazer... – mas o homem, desolado, continuava a chorar, desesperado. – Eu saí de casa... Eu menti que o odiava... Mas eu chego a sonhar com isso, doutora... Chego a sonhar que eu... – fazendo com que as palavras explodissem com a força de uma tempestade. – Meu... Filho... – ao mesmo tempo em que a verdade, verbalizada, lhe baleava.

Uma

Duas

Três vezes

Doía. Como um projétil que lhe penetrava a pele. Lhe rasgava os músculos. Lhe perfurava os ossos. Lhe arrombava a alma.

- Me... Ajuda...

O fazendo sentir o cheiro, o gosto, e a pressão da morte a cada novo segundo.

Sem que de fato morresse.

A morte que ele, em segredo, já tinha jurado a si mesmo.

Se, incapaz, não conseguisse se livrar daquele tormento.

Daquela desgraça que tinha descoberto em si mesmo.

AUTO REPÚDIOOnde histórias criam vida. Descubra agora