Capítulo I

52 2 3
                                    

Nos confins de São Paulo - quase na divisa com Paraná -, no interior de uma floresta de pinheiros, um carro percorria silenciosamente as curvas da estrada. No céu uma cumulus nimbus varria o céu com sua imensa massa cinzenta. Prenúncio de chuva.

No carro, duas mulheres ajustavam o rádio para captar as últimas ondas possíveis, conseguindo, contudo, apenas frases soltas cobertas pela estática. A mãe, Alexandra, cantava sozinha o último verso captável de ABBA: Dancing Queen; e filha, Monique, não aguentava mais a mesma música.

Estavam indo visitar Verônica, irmã de Alexandra, que vivia sozinha no topo de um morro afastado do centro de Abaetuba. Uma cidadezinha pacata coberta pelos pinheiros que outrora foram a principal fonte de renda da cidade produtora de móveis e papel; agora era um centro turístico com acampamentos e hotéis - Verônica era dona de um desses hotéis.

Acometida pela dor e pela angústia, Monique não conseguia sentir nada além de um profundo estado catatônico. Quatro anos na faculdade de artes visuais, quatro anos afastada da família, quatro anos de felicidade e descobertas, sonhos, paixões e amizades destruídas após o fim da faculdade. Com 21 anos ainda não compreendia nada de sua vida.

Alexandra, formada em direito, viveu os restos de sua ascensão como advogada amarrada ao acaso do coração e, como veredicto final, uma criança e um pai ausente. Ele fugiu, largou-a com a pobre criança. Desamparada e sem apoio paternal, viveu de favores até se estabilizar como florista em uma casa que comprara durante o seu antigo casamento. Perdida sua recém-iniciada carreira, jamais quisera voltar aos tribunais.

Ambas desoladas e fugindo de seus problemas e respectivos medos, agora viajavam para o mais longe da capital para se reerguerem socialmente e emocionalmente. Ambas se tornaram depressivas, porém enquanto Alexandra convivia e lutava contra isso, Monique se entregava, isolava-se da sociedade em sua zona de conforto. Pensando em fugir do passado, Monique iniciou a faculdade de artes visuais, a mudança que isso trouxera a sua vida era incomensurável.

Verônica, uma velha solteirona dona de gatos – na verdade apenas um – era gerente de um hotel na cidade, o Moonlight que, na sua antiga glória, enchia-se de reservas e lucro - atualmente de moscas e ratos. Juntas, as três - e únicas parentas vivas da família De Melo e Silva - queriam reinaugurá-lo.

O amor nunca fora bom para elas, Vênus jamais desempenhara seu papel nos signos delas. Os outros planetas, por outro lado, muito haviam feito. Verônica, com todo o seu esoterismo, sempre refazia os mapas astrais de sua família.

Monique abriu o vidro e colocou a cabeça contra o vento, e ele, em resposta, golpeou-lhe o rosto levando suas angústias e lembranças. Ela se perdeu em seu mundo e por lá ficaria até o fim da viagem. Seus cachos pretos rodopiavam. Alexandra observava a filha e, naquele instante, uma lembrança lhe brotou na mente: quando Monique era pequena e fazia a mesma coisa no gira-gira que tinha no parque na frente da casa delas. Alexandra sorriu por ver sua filha sem preocupações desde que saíram de viagem.

Agora, vamos observar as lembranças de Monique mais de perto...

Cada lembrança carrega uma dor: desilusão, medo, frustração e em uma delas um pouquinho de felicidade, o que era raro. Monique se apaixonara pelo melhor amigo da faculdade – o único amigo entre todos os que tivera, que eram poucos... Na verdade, quase nenhum. - ambos seguindo caminhos diferentes: ele exatas e ela artes. Monique nunca havia se declarado, nunca teve coragem... O fato não é a história do passado dela, mas a história que está por vir por conta da paixão reprimida, e é a ela que devemos dar ênfase.

(Nomes. O que são senão apenas uma maneira de chamar algo que conterá sempre a mesma essência? Bem, Gabriel é o nome de um Arcanjo e Morfeu o nome do Deus dos sonhos, junte-os e terá a perdição... Esse era o nome, os dois nomes, do pesadelo de Monique. E o terror se encontra nos nomes. Mesmo que a pessoa possuísse outro nome e outro apelido, não seria a mesma coisa. Então, vamos reformular a perguntar: o que não são os nomes se não o significado que carregam? E no coração de Monique esse significado era tenebroso... O amor o havia tornado tenebroso, pois aos olhos de outra pessoa seria só mais um adolescente chamado Gabriel e apelidado de Morfeu).

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jan 30, 2017 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Magnífia Onde histórias criam vida. Descubra agora