Juízo, hein.

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Os dias estão se arrastando e a última semana do mês parece encompridar-se à cada instante. O movimento na loja está calmo. Faltam dois dias para o sábado. Faltam cinco dias para o próximo mês. A ansiedade me toma por um motivo óbvio. Finalmente vou conseguir tirar os quinze dias de folga remunerada que tenho acumulado neste semestre.

Quinze dias em casa. Não quis nem avisar Lucia que ficaria em casa esses dias, se não ela já arrumaria mil coisas para consertar ou para fazermos. Pretendo ficar esses quinze dias entocado em casa, indo dormir de madrugada, acordando ao meio dia, assistindo filmes o dia todo. Ahhh, chego a suspirar, só de imaginar o quanto esperei por isso.

O dia termina tranquilo.

Me apresso em ir pra casa, hoje é dia de jogo do meu time e eu ainda preciso passar no mercado pra comprar umas cervejas, penso até em chamar meu amigo Guto, mas ele é provável que ele traga a esposa, e consequentemente os filhos... Confesso que estou evitando a passagem da família de Guto em minha casa desde que sua filha caçula, Manoela, começou a andar. A guria é um furacão, passa mexendo e destruindo todas as coisas que encontra pela frente. Eu até achava engraçado, admito, mas um dia ela arremessou uma de suas bonecas em direção à minha tv. Minha tv de 52''. Uma semana após eu ter comprado. Um frio passou percorrendo de um extremo ao outro em minha espinha. Sorte que a boneca era de borracha e a força da menina era pequena. Ainda bem. Minha tv passa bem. Já a boneca da menina, infelizmente depois do jantar foi parar direto na lata de lixo.

Lembrar do acontecimento envolvendo a filha de Guto me faz extinguir a ideia de chama-lo para acompanhar o jogo lá em casa. Assistirei sozinho mesmo. Se ao menos Marcelo tivesse interesse em futebol ele poderia me acompanhar, mas não, ele nem usou o jogo de futebol do vídeo game que lhe dei. Perdi setenta reais nessa brincadeira.

Chego ao mercado, vou direto ao freezer da cerveja. Quando chego ao caixa, sinto que alguém está me olhando. Tento reconhecer quem é e percebo que é meu vizinho, padrasto do Ítalo. Sinto que ele está ansioso, e espero não ser pra falar comigo. Das poucas vezes que tentei ser cordial e aplicar o princípio da boa-vizinhança ele me entediou com seu papo chato em menos de dez minutos. E definitivamente não quero que ele venha em minha direção tentando puxar assunto. Peço que o rapaz do caixa se apresse em cobrar minhas compras e tento sair o mais rápido possível do mercado. Ao chegar no carro, vejo pelo retrovisor que ele está na porta com uma expressão clara de quem procura alguém. Ufa, não foi dessa vez.

O trânsito está tranquilo e finalmente chego em casa. Até que foi mais rápido que esperava.

Quando coloco minha cerveja no congelador, vejo pela janela que meu vizinho estacionou o carro. Ao invés de abrir o portão, ele vem em direção ao meu. O que será que ele quer? Já não basta o perdido que dei nele na saída do mercado, agora ele vem bater no meu portão. Minha esposa que estava no quarto, ao ouvir as palmas, vai até a porta, e eu sussurro da cozinha avisando que se for pra mim, é pra dizer que estou no banheiro. Faltam menos de trinta minutos para começar o jogo, não vou atender esse cara sem saber o que ele quer. Conhecendo o seu jeito, pressinto que se atende-lo, vamos entrar numa conversa que só irá acabar quando o juiz apitar os quarenta e cinco do segundo tempo. Melhor evitar.

Ouço a porta fechando e Lucia aparece na cozinha.

- Ele disse que precisava falar contigo. Pareceu ser coisa séria.

- Ele não adiantou o assunto? – Questionei.

- Não, falou que só poderia tratar com você. O que será que ele quer? – A expressão de dúvida na cara dela era notória.

- Não faço ideia. E nem quero imaginar nisso agora. Meu time entra em campo daqui quinze minutos e eu preciso concentrar minhas energias positivas rumo a vitória. – Vou saindo pra sala, quando me lembro de ter visto algo no congelador – aliás, você poderia fazer a enorme gentileza de agradar seu maridão fritando aqueles bolinhos de carne que estão no congelador, né? – Faço aquela cara de menino pidonho.

- Tá, tá. Mas amanhã vá ver com o Beto o que ele deseja contigo. Vai que é alguma coisa séria.

- Ok amor. Amanhã eu vejo, se não conseguir falar com ele, mandarei uma mensagem ou até mesmo ligarei pra ele se necessário.

- Humpf, acho bom mesmo.

A curiosidade estava estampada na cara da minha esposa, porém, tenho pra mim que não vai ser nada demais. Provavelmente o Beto deve estar se sentindo sozinho. Afinal desde que sua esposa faleceu, só o vejo saindo pro serviço e dando umas voltas com Ítalo aos finais de semana. Deve ser difícil perder a esposa e ficar com um enteado adolescente pra criar. Mas o admiro pelo fato de cuidar do garoto como filho legítimo.

Meus pensamentos são interrompidos quando ouço a voz do narrador anunciando a entrada do meu time no estádio. Corro pra sala e já me acomodo no sofá.

A partida segue calma até meados do segundo tempo, quando um atacante do time adversário dá uma entrada violenta em um de nossos zagueiros dentro da área do gol. PÊNALTI!!! Primeiro gol marcado. À base de pênalti, ok, mas tenho pra mim que cavalo dado não se olha os dentes. O que importa aqui é a vitória e estamos um passo à frente do adversário.

Infelizmente os bolinhos de carne que Lucia preparou acabaram, e com eles só consegui perceber o quanto estava com fome. Chamo Marcelo e digo à ele pra pedir uma pizza. Ele sai apressado e escuto ele ao telefone na cozinha.

O jogo termina, um à zero. Vitória do meu time. Apesar do péssimo desempenho do meu time, acabamos ganhando e isso garante que continuemos na liga. Fico feliz por isso.

O entregador da pizza chega, dou um grito pra chamar Marcelo e Lucia que estão trancados nos quartos. Sempre gostei de fazer as refeições em família. Uma espécie de costume herdado dos meus pais.

Durante a pizza, conversamos banalidades em geral.

O resultado do jogo me deu um ânimo que nem percebi a semana acabando. Durante o final de semana, tudo aconteceu dentro dos parâmetros normais, no assisti filmes durante a tarde toda, enquanto Marcelo estava enfurnado em seu quarto jogando vídeo game e Lucia fora ao clube com as amigas. Quase a acompanhei, o dia de domingo estava pedindo uma ida ao clube e um banho de piscina. Mas da última vez que fui até lá, quando saí da piscina e fui ao banheiro tomar uma ducha pra me trocar, um garoto que nunca tinha visto lá ficou me encarando como se quisesse alguma coisa. Sei o que ele queria. Já ouvi boatos de que vários gays ficam manjando os caras no banheiro com a intenção de sacanagem. Mas comigo não, eu não sou disso.

Lembrar disto me remeteu àquele filme que assisti semana passada, onde me excitei com os morenos trepando. Não permito meu pensamento se aprofundar na lembrança. Não quero acabar batendo outra punheta praquele mesmo filme. Ao invés disso, aproveitando que estava um calor do caramba dentro de casa, visto um shorts e calço meu tênis para sair dar uma corrida no parque. Voltando pra casa pego um picolé na tenda do Seu Juca e da corrida vou à passos rápidos.

Ao chegar no portão de casa, vejo Marcelo conversando com Ítalo na varanda. Fecho a cara para que Marcelo perceba que não gosto da ideia de vê-lo novamente com amizade com esse garoto.

- Oi pai. – Marcelo disse sem graça.

- Eaí Sr. Pedro, tranquilo? – Ítalo disse.

- Tudo tranquilo, e você garoto? Fazia dias que não o via por aqui – Dou ênfase na última frase pra destacar que havia percebido sua falta e franzo o cenho para que perceba.

- Pois é, Marcelo e eu agora estamos jogando o mesmo jogo online. Estávamos conversando sobre ...

Meu telefone começa a tocar, me apresso em atender. É Lucia, dizendo que o carro não está dando partida e ela está praticamente sozinha no estacionamento do clube.

- É sua mãe, Marcelo. Vou ir ajuda-la. Parece que ela não está conseguindo dar partida no carro. Realmente é muito difícil inserir a chave na ignição e girar pro lado.

Os garotos riem e eu também. Entro em casa pra pegar minha carteira e chave do carro.

Saio deixando-os na varanda.

- Até logo meninos, juízo hein.

Vou ao clube e consigo fazer o carro funcionar. Lucia parece exaltada e eu nem dou muita atenção pro que ela fala. Quero voltar pra casa logo e ir dormir. Afinal vou trabalhar só mais um dia e depois tirarei meus dias de folga.

A ansiedade bate forte só de pensar nos dias que ficarei em casa.

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⏰ Última atualização: May 05, 2016 ⏰

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