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- Você tá vendo alguma coisa? - perguntou Nícolas.
- Não, não estou vendo nada! - respondi rindo.
Eu podia sentir a brisa do oceano no meu rosto e o gosto salgado que o ar tinha.
- Eu vou tirar minhas mãos do seu rosto mas você só pode abrir os olhos quando eu mandar! - disse Nícolas entusiasmado.
- O.k, mas o mar? Sabe muito bem que eu conheço o mar perfeitamente. Estando "vendado" ou não. - falei fazendo aspas, o que fez ele rir.

- Pode abrir os olhos! - gritou ele.
Era inacreditável. Eu fiquei boquiaberto por segundos, que mais pareciam horas, sem saber o que falar ou fazer. Aos poucos fui voltando a mim e comecei a ouvir o coral, que da forma mais desafinada possível, cantava parabéns para mim.

- Então, sabichão - disse Nícolas me encarando com um sorriso enorme no rosto -, será mesmo que você conhece o mar tão bem assim?

- Você é mesmo um idiota, sabia? - falei já apertando-o com o meu melhor abraço.
Todos vinham em minha direção, me davam os parabéns e se sentavam nos tapetes que estavam na areia da praia. A decoração era simples, mas muito bonita e bem pensada. Velas no chão, algumas lâmpadas redondas postas no meio dos tapetes e música.
- Você tem mesmo muita sorte de ter um amigo desses, sabia Ian? - disse minha mãe ao se aproximar de mim e do Nícolas.
- Ah mãe, nem fala nada não! O Nícolas vai começar a ficar se achando e a senhora sabe como são leoninos! - falei é logo recebi um beliscão dele.
Começamos a rir e fomos encontrar com o resto do pessoal. Era um total de 8 pessoas sendo: minha mãe Margarida, meu pai Lúcio, minha amiga Samanta, o namorado dela, Pedro, a irmã do Nícolas, Kelly, o namorado da Kelly, o Joseph e nós dois. Resumindo: minha família.

As horas foram passando e meus pais foram embora.
- Não demorem a voltar, crianças - disse minha mãe.
- Pode deixar, tia Margarida - dissemos todos juntos.
Ficamos lá no aterro da praia por umas duas horas. Estávamos curtindo muito aquele momento pois era raro ter todos ali juntos já que, com as férias, muitos tinham viajado e só estavam voltando pra cidade agora no final do mês pois as aulas iniciariam na semana seguinte a que se começaria no dia após a festa.
- Fiquei sabendo que você aplicou para a ALVORADA, Ian. - disse Samanta quando, de alguma forma, começamos a falar do tempo de colégio.
- Ah, sim, eu apliquei- respondi meio tímido.
- Nossa, parabéns! - falou Kelly - Todos falam que é difícil de entrar, mas se deu certo pra gente, vai dar pré você também!
Sem palavras e com muita vergonha eu só sorri para Kelly, no intuito de fazê-la entender que eu estava meio assustado/ansioso com a divulgação dos resultados, que por coincidência, sairiam dia 29, amanhã.
- Pois eu sei que o Ian vai entrar na escola e o nosso ensino médio lá será ótimo! - disse Nícolas ao perceber minha reação aos comentários de sua irmã.
- Sim, Sim. Pode crer que ele vai sim! - acrescentou Joseph.

No relógio já marcava 23h45 da noite quando Kelly e Joseph anunciaram que iriam para casa. Eles rachavam o aluguel de um AP no centro, que ficava no mesmo prédio que o de Samanta e seu namorado, e que se juntaram a eles na ida para casa.
- Beijão, meus amores. - disse Samanta ao me abraçar e em seguida, Matheus.
- Tchau tchau, vaquinha. - dissemos juntos e rimos bastante.
- Vão se foder seus dois pirralhos do ginásio! - disse ela em meio as gargalhadas forçadas e mostrando o dedo do meio.

Aos poucos as luzes do carro da Samanta iam desaparecendo na avenida longa que ficava perto do calçadão da beira mar. Nícolas e eu ficamos sentados em um dos tapetes que, de propósito, Samanta havia "esquecido" para nós. Deitamos e ficamos olhando pro céu. As estrelas enfeitavam a imensidão azul escuro como vaga-lumes celestes. O barulho das ondas quebrando de encontro a praia combinava perfeitamente com a trilha sonora natural do ambiente. Era lindo, inspirador.
- Ian? - chamou Nícolas.
- Oi? - respondi.
- O resultado será divulgado amanhã, né?
- Sim, Nick. Amanhã. - falei dando um longo suspiro.
- Cara, eu sei que você tá assustado e tudo, mas nós sabemos que você tem grandes chances de passar! Eu tenho certeza que eles irão ver seu histórico impecável e pensar "por que não aprovamos ele de primeira?"- falou ele todo entusiasmado e levantando, ficando com o cotovelo apoiado no tapete e olhando pra mim com um sorriso largo no rosto.

O Nícolas e eu nos conhecemos desde sempre. Tipo, desde sempre mesmo! Nossas mães são melhores amigas desde o maternal - coisa que, eu acho, influenciou bastante no fortalecimento dos meus laços com ele -. Sempre estivemos juntos brincando, brigando, rindo (...). Nícolas sempre foi como um irmão pra mim.
- Nícolas - enfim falei - , obrigado por sempre torcer por mim, irmão. Eu nunca vou conseguir te esconder nada mesmo? - ri.
- Não, não vai, seu bobo! - falou ele vindo pra cima de mim me enchendo de casquinha.
- PARA, POR FAVOR - eu tentava falar em meio a gargalhadas sem fim.
Ele parou e ficou me olhando. Ficamos nos encarando e ele, como uma forma de dizer "sempre estarei aqui com você" deu um beijo na minha testa. Desde bem pequenos temos essa mania.

Lembro-me de estar empolgado com a notícia de que ganharia uma bicicleta nova aos 8 anos, que não falava de outra coisa no recreio. O Nícolas também estava feliz, pois eu havia lhe prometido umas voltas na minha bike nova.
- Eu vou andar bem rápido igual um foguete! - eu disse ao descer do carro da tia Maria, mãe do Nícolas.
- E eu - falou Nícolas - vou andar tão rápido que nem vão me ver! - disse ele correndo logo atrás de mim.
Pegamos a bicicleta e fomos direto descer a rua. Ela era cheia de altos - ainda é, mas naquele época eles eram, para nós, bem maiores -.
Deixei Nícolas descer primeiro e logo em seguida eu comecei a pedalar. Ele ficou na ponta do alto e eu desci. A sensação era ótima. O vento batia no meu rosto e me fazia rir. Mas por um erro de cálculo, eu acabei passando por cima de uma pedrinha, que me fez cair e machucar a testa. Nícolas saiu correndo ao meu encontro e eu já estava chorando muito.
- Ian, não chora! - disse ele segurando o meu rosto.
- Tá doendo, Nick! - eu disse com os olhos fechados pois tinha medo de ver o sangue.
Nícolas passou a manga da blusa no pequeno arranhão, o que me fez tomar um pequeno susto.
- Pronto, pode abrir os olhos. Não foi nada demais.
Ao abrir os olhos me deparei com o Nícolas sorrindo, exibindo aquela janelinha de menino travesso e com os olhos azuis brilhando no sol. Eu sorri, e ele com minha cabeça ainda entre as mais, aproximou a boca da minha testa e me deu um pequeno beijo.
- Eu vou estar sempre com você, Ian. Sempre que cair eu vou tá junto pra limpar seus dodóis - disse ele.

Quando Nícolas tirou a boca da minha testa, eu o olhei nos olhos e disse:
- Eu também sempre estarei aqui com você. Mas agora já temos que ir! Já passam da meia-noite.
Levantamos e fomos de encontro ao carro. Liguei o rádio e estava tocando "Born To Die" da Lana Del Rey. Adormeci no banco do carona e, no outro dia, acordei no meu quarto com o ronco do Nícolas.

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