Tic Tac.
Tic Tac.
Será que eu dormi ou só passei a noite ouvindo o relógio do meu quarto me falando que o tempo está passando, e que cedo ou tarde todas as farsas irão cair.
Tic Tac.
Tic Tac.
Meus olhos estão fechados, mas minha mente está bem aberta.
Tic Tac.
Tic Tac.
Que dia será hoje? Como será hoje? Qual será a nova mentira que irei descobrir?
Tic Tac.
Tic Tac.
Ouço a porta se abrir.
-Acorde querida, hoje é domingo.
Meu pai está aqui. A voz dele não parece exausta. Abro meus olhos devagar fingindo cansaço, me sento e olho para meu pai, ele realmente não parece exausto... Ele dormiu em casa, o que é estranho, já que ele chegou mais cedo do trabalho ontem.
-Dormiu bem? - Ele pergunta escorado na porta.
-Não muito...
-Sua mãe me falou do escândalo que você fez ontem.
Meu sangue começa a ficar mais gelado, se ela contou de ontem, ela deve ter contado o que eu fiz na escola. Ele vai ficar muito furioso, muito furioso mesmo. Estou com medo das próximas palavras que ele vá dizer, olho para meus dedos como se isso fosse aliviar a tensão que sinto nesse momento.
-Filha, já pensou em passar em algum médico?
-Desculpa, O que?
-Sim, esse seu "problema"- ele faz aspas na última palavra como se cada lágrima que eu derramo fosse apenas para chamar atenção, ele continua - Bom, não sei talvez algum médico te ajude com isso querida.
Minha mãe não contou nada, por isso ele finge se importar comigo. Ele não se importa com ninguém dessa casa, essa casa é como uma prisão para ele. Essa casa é uma prisão para todos. Até mesmo para mim.
-Acho melhor eu pensar mais, mas talvez seja uma boa ideia pai, obrigada por me dar essa sugestão.
Ficamos em silêncio por um momento, talvez por que nós dois nunca tivemos um diálogo tão longo como agora.
- Bom, acho melhor você se levantar, sua mãe já está preparando o café da manhã.
Apenas concordo com a cabeça. E ele suspira, como se realmente estivesse frustado.
- Com sua licença. - E sai fechando a porta.
Hoje é domingo, de acordo com meu pai, hoje é dia de brincar com minhas bonecas. Com a minha família perfeita.
Perfeição.
Para os meus pais tudo o que importa é o que as outras pessoas pensam sobre a nossas vidas.
Família perfeita.
Somos todos perfeitos em nossas imperfeições, certo? Então como querem ser perfeitos escondendo o que somos de verdade? Mas quero apenas que eles se fodam. Nascemos quebrados de certo modo e morreremos assim.
Perfeição.
Ele diz para colocarmos nossa melhor roupa. Ela diz para não deixarem verem atrás das cortinas.
Família perfeita.
Ninguém sabe o quão imperfeitos somos. Ninguém nunca houve quando digo "Mamãe, por favor acorde, papai está com uma vadia..."
Sim, traições. Sim, ela sabe que todas vezes que papai chega mais tarde, é por que ele estava com mais uma vadia.
Perfeição.
Tão pouco ouvem- me quando falo sobre meu irmão. Agora ele já deve estar com mais um cigarro de maconha na boca.
Mas tudo bem, nós seremos uma família perfeita. Assim como todos nós vimos nos retratos espalhados pela casa, espalhadas para todos os parentes, os que eu conheço e os que eu mesmo nem sei da existência.
Tomo coragem, respiro fundo e me levando para mais um dia. Tomo banho e tento fazer que esse momento dure mais que o necessário, visto meu vestido, arrumo meu cabelo que está em um bom dia com cachos delicados o que me deixa com a aparência mais jovem do que precisa. Me olho do espelho e vejo uma boneca, literalmente uma boneca, não pelo fato de estar praticamente vestida como tal mas sim porque me sinto assim quando sei que vou encontrar minha família reunida na cozinha como se nada acontecesse, me sinto assim porque me comparo com aquelas bonecas de plástico com os olhos mais grandes que o resto do seu rosto, olhos que eu acredito que veem coisa, várias coisas, provavelmente coisas que ninguém conseguem enxergar, assim como eu. Eu consigo ver coisas que ninguém mais conseguem ver. Porque ninguém consegue ver o que acontece aqui?
