O Caos nas Casas Vizinhas

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    Como disse antes, e provavelmente direi muitas outras vezes, a Alameda Monteiro é extremamente pacata. Quando estranhos passavam em seus carros e olhavam ao redor, deviam imaginar que era uma rua fantasma, como aquelas que aparecem nos filmes de terror, abandonadas porque perto dali mora o monstro do pântano ou algo assim. Eu não podia culpá-los por pensar assim. Todos sabem que, se existe uma coisa bastante prezada em qualquer subúrbio, é a imagem. 

     E com uma rua calma como aquela, quem pensaria no caos dentro das casas? Vamos tomar como exemplo a casa amarela no fim da rua,residência do meu amigo Erick Mayer. 

                                                                                           oOo 

     Pouco antes das sete horas naquela manhã, Erick olhava seu reflexo no espelho pela terceira vez. Você espera que garotas sintam-se inseguras e se olhem no espelho mil vezes antes de sair de casa. E está certo. As garotas, principalmente as populares, possuem esse tipo de paranoia. Mas existe outro grupo de pessoas com essa preocupação: os namorados dessas garotas populares. 

     Sim, Erick mudara bastante desde o início do namoro e não havia como negar que isso era graças à Tina. Trocara seus velhos óculos por lentes, mudara o corte de cabelo para um look mais moderno e até fingia interesse por esportes, já que Tina era capitã do time de voleibol. No entanto, certas coisas nunca mudam. Erick continuava vidrado por séries de TV, sabia tudo sobre HQs de heróis, estava sempre com um par de All Stars nos pés e até entendia um pouco sobre animes coreanos.Tina fazia o papel de garota popular e fingia desprezar essas características dele. Mas eu a conhecia o suficiente para saber a verdade. Ela o amava ainda mais por causa delas. 

     Eu fui a primeira a falar com Erick quando ele passou pela experiência traumática do primeiro dia no colégio Thomas Jefferson. Não era um colégio ruim, mas quais as chances para o primeiro dia em uma escola estranha ser um dia razoavelmente bom? Poucas. E, no caso dele, era uma escola estranha numa cidade estranha. Chances nulas. 

     Isso foi há mais ou menos dois anos. A família de Erick mudou de cidade rapidamente quando Olavo, o pai dele, recebeu uma proposta de emprego. Em pouco tempo, seu pai, sua mãe Catarina e a irmã caçula Evelyn já estavam se adaptando à nova casa na tranquila alameda. Claro, contra a vontade de Olavo, tiveram que trazer sua sogra Teresa, que, no mesmo ano da promoção dele, fora despejada de sua casa. 

     Quando Erick terminou de descer as escadas naquela manhã, Teresa e Olavo já estavam na cozinha discutindo. O motivo das brigas entre os dois variava bastante. Desta vez, por exemplo, uma escova de dentes motivou a "discussão matinal".  

     – Você a roubou! 

     – Mãe, por que o Olavo roubaria sua escova? 

     – Ora essa, para me fazer passar por louca. 

     – Ah – retrucou Olavo –, como se precisasse de muita coisa para isso. 

     – Querido, também não fale assim com ela!

     – Não precisa me defender, Catarina. Eu sei como lidar com esse grosso do seu marido.

     Erick recuou e sentou-se na escada. Já estava acostumado e conformado com aquilo. O pai e a avó jamais se dariam bem e, no fundo, já tinha se tornado divertido ouvi-los brigar.

     – Quer saber? – continuou Teresa. – Não perco mais meu tempo com você. Vou comprar outra escova. E, como foi você quem a roubou, usarei seu cartão.

     Teresa deu as costas. Morando com a sogra, Olavo perdia a maioria das batalhas e nunca tinha razão. Ele tinha um único consolo, um que também tinha se tornado seu aliado e melhor amigo: o bom e velho sarcasmo.

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