3. BLACKOUT

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Quando Elle me deixou em casa, cinco minutos antes da hora, marcada ,estava tudo escuro, o que era estranho porque minha mãe sempre esperava acordada. Gostava de ficar na cozinha enquanto eu assaltava a geladeira e contava uma versão levemente editada dos acontecimentos da noite.
Depois de meu exílio autoimposto, ela se divertiria ao me ouvir contar que
nada tinha mudado.
Elle havia me arrastado pelo saguão enquanto flertava com garotos com quem nunca sairia, e eu fora obrigada a bater papos constrangidos com os amigos deles. Pelo menos tinha terminado, e ninguém me perguntara sobre Chris.
Destranquei a porta.
Ela não havia nem deixado uma luz acesa para mim.
- Mãe?
Talvez tenha pegado no sono.
Liguei o interruptor que ficava na base da escada. Nada. Devíamos estar
sem luz.
Ótimo.
A casa estava no breu. Uma onda de tontura me percorreu quando o medo começou a aumentar.Segurei o corrimão e me concentrei no topo da escada, tentando me convencer de que não estava tão escuro.Subi lentamente.
- Mãe?
Quando cheguei ao patamar do segundo andar, uma lufada de ar frio me deixou sem fôlego. A temperatura dentro da casa devia ter caído pelo
menos dez graus desde a hora em que saí para o cinema. Será que tínhamos
deixado uma janela aberta?
- Mãe!
As luzes oscilavam, lançando longas sombras pelo corredor estreito.
Andei lentamente em direção ao quarto dela, sentindo-me mais apavorada a cada passo. A lembrança do minúsculo espaço no fundo do armário lutava para se libertar.
Não pense nisso.
Eu me aproximei.
O final do corredor estava ainda mais frio, e minha respiração se condensava em nuvens brancas. A porta do quarto estava aberta, uma fraca luz amarela piscava lá dentro.
O fedor de fumaça de cigarro estagnada chegou até mim, e uma crescente sensação de medo apertou minhas entranhas.
Tem alguém na casa.
Passei pela porta, e a estranheza da cena me dominou.
Minha mãe estava caída na cama, imóvel.
Elvis estava deitado sobre seu peito.
O abajur do canto se acendia e apagava como se uma criança estivesse brincando com o interruptor.
O gato soltou um som baixo e gutural que rasgou o silêncio, e eu estremeci. Se animais tivessem a capacidade de gritar, aquele seria o som.
- Mãe?
A cabeça de Elvis se virou para mim.
Corri até a cama, e ele pulou para o chão.
A cabeça de minha mãe estava inclinada para o lado, com o cabelo
escuro caído sobre o rosto, enquanto o quarto era mergulhado em uma
escuridão intermitente. Eu me dei conta do quanto ela estava inerte, do fato de que seu peito não se erguia e abaixava. Pressionei os dedos contra sua garganta.
Nada.
Eu a balancei com força.
- Mãe, acorde!
Lágrimas desciam por meu rosto, e enfiei a mão sob sua bochecha. A luz
parou de piscar, banhando o quarto em uma fraca claridade.
- Mãe! - Agarrei seus ombros e a levantei. Sua cabeça oscilou para a
frente e bateu contra o peito. Recuei às pressas, e o corpo caiu outra vez no
colchão, quicando de um jeito anormal.
Escorreguei para o chão, engasgando com as lágrimas.
A cabeça de minha mãe estava caída na cama em um ângulo estranho,com o rosto virado para mim.
Os olhos eram vazios como os de uma boneca.

QUATRO SEMANAS DEPOIS

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