Bruno S. Andrade
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Ilustração de capa: Cosmeston Medieval Village
Ilustrador: Jullie
Adquirida legalmente no banco de dados: FLICKR
Imagem de domínio público
- Que os campos queimem e os inimigos pereçam. – Ele fez sua oração em voz baixa, afinal os mercenários não eram bem vistos em regiões agrárias. Junto com eles vinha o cheiro de destruição e prejuízo nas colheitas. Mas os Deuses não se importavam, e ele estava ali seguindo rastros de mensagens desencontradas, indicando que em breve um ataque ocorreria naquela região. Os sulistas iriam aproveitar o fim da primavera e incursionariam naquele apanhado de terras férteis. A vida nunca foi fácil para ele mas poderia ser pior. Pelo menos não era um dos camponeses inocentes que em breve teriam suas casas saqueadas e mulheres estupradas, enquanto tentavam devolver suas entranhas para dentro da barriga. Na cintura carregava seu ganha-pão e confiava no braço treinado debaixo de sol, sempre em formação militar.
Após caminhar cerca de uma hora pela área rural, ele avistou as fortificações de madeira que rodeavam a vila local. Esta estava fincada em uma elevação e exibia uma paliçada forte e de troncos grossos, com uma base aplainada por trás onde um homem poderia ficar de pé tranquilamente, com o corpo coberto até a altura dos ombros. O mercenário iria apresentar seus serviços ao chefe da guarda e sair dali com uma boa quantia. Lógico que o trabalho apresenta seus riscos, mas somente quando o inimigo uiva na sua cara enquanto você enfia sua espada por debaixo do seu ombro, que a vida fica doce e os Deuses lhe sorriem.
Ele alcançou o portão único, que estava aberto para o fluxo de mercadores vindo de fazendas próximas, esperando exibir seus produtos na feira central. Dois guardas em solo vigiavam distraidamente os que passavam e ele pode reparar que não havia arqueiros na paliçada, colocando assim breves temores na sua mente em relação à defesa local. Será que o comandante da guarda doméstica desconhecia os rumores que me trouxera. Pensava inquieto. Adentrando na vila, procurou por montes de pedra e vasilhames com óleo negro pronto para serem fervidos, mas não os encontrou. Tampouco viu grupos em treinamento no pátio ou aljavas carregadas de flechas. Já estava começando a ficar impaciente com a tranquilidade em volta, pois ainda não via os preparativos locais. Enquanto caminhava nas vielas avistou um guarda de uniforme, abordando-lhe.
- Quem está no comando desta guarnição? Perguntou.
- É sir Alexis, mas ele está doente e o comando está com o tenente. - Respondeu o soldado.
- E quem está preparando a defesa da vila? Em poucos dias um pequeno exército vai sitiá-los. Ele falou asperamente. O soldado riu e disse:
- Nem o exército do Duque conseguiria invadir este local, estamos seguros aqui. Qualquer atacante teria que subir este morro íngreme, e atravessar pelos troncos de carvalho. - O guarda exibia uma confiança absoluta, que ele interpretou como desleixo. O local não chegava a ser do tamanho de uma cidade, mas também não era acanhado, e para defendê-la seriam necessários pelo menos mil e quinhentos homens, com um terço de arqueiros ou besteiros.
- Onde posso encontrar este tenente? - Perguntou. O guarda apontou a direção da caserna e disse para ele perguntar pelo oficial Allan. Ao se aproximar ficou evidente quem comandava ali, pois um homem perto dos seus quarenta anos, cabelos grisalhos e em formato de barril de cerveja, estava sentado com um cachimbo na mão, distribuindo algumas ordens a um grupo que se dispersou em seguida. Ao ficar a poucos metros, ele reparou que o tenente levou sua mão ao cabo da espada que descansava em sua bainha. Pelo menos esse aí pensa como um guerreiro.
- O senhor é o Tenente Allan? Eu vim para oferecer meus serviços, frente ao que vai ocorrer em poucos dias. - O tenente Allan não se levantou, mas apertou com mais força o cabo da sua lâmina.
- Está falando dos rumores, mercenário? Saiba que não trabalho com boatos e não queremos gente como você por aqui. - Seu tom de voz foi alto o suficiente para dois guardas se aproximarem.
O mercenário não se intimidou, e continuou a falar: - Sua paliçada realmente é muito forte mas não se compara a muros de pedra, e seus homens são poucos e com tarefas mal divididas. Não serão bandidos em grupos que baterão à sua porta, mas homens treinados e disciplinados. Os sulistas invadiram terras à Leste e pretendem apontar seus narizes para o Oeste, passando direto por vocês, como um enxame de gafanhotos.
O tenente Allan se levantou de forma ríspida, deslizando sua espada para fora da bainha, e foi acompanhado pelos outros dois guardas. - Não precisamos de conselhos de um idiota como você - Falou aos berros, jogando saliva para todo lado. - Já estou aqui a cinco anos e nunca ninguém atravessou pelos portões sem nosso consentimento, portanto trate de sumir daqui ou vou ser obrigado a empalá-lo na praça, para servir de exemplo àqueles que me desafiam.
Sem dizer mais nada ele agradeceu e deu às costas ao tenente. Os deuses não perdoam decisões ruins, não posso fazer mais nada por aqui. Em seguida a este pensamento ele começou a se dirigir para o portão. Não adiantava continuar ali, porque ele sabia que a arrogância sempre acompanha os derrotados, e aquele lugar sumiria do mapa em pouco tempo, sobrando apenas sangue e areia.
FIM
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Sangue e Areia
Adventure(Conto) Quando uma vila está prestes a ser invadida, um viajante oferece seus serviços à proteção local.