O Amanhecer

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DE: M.M.F. Ikka

- Somos os únicos que restaram. Só há nós dois da Legião. Não há mais porque guardarmos tudo para nós. Precisamos baixar a Esfera para este planeta e espalhar o bem que temos.
- Laiticia, acho isso um tremendo de um risco. Como será que os moradores deste lugar irão reagir a todo esse conhecimento?
- Simples. Com alegria. Acho que precisam dele. E nós precisamos de algum lugar para morar. E eu não vou sem a Esfera.

Ela olhou nos olhos de Krök com certeza otimista e serena. Os dois membros remanescentes da Legião Guardiã estavam ali. Vestidos com os trajes típicos de sua ordem: mantos brancos que iam até o chão metálico daquela espaçonave - ou gária, como chamavam. Os dois de pele negra se apresentavam de longos cabelos brancos e olhos cinzas quase alvos como a neve. Porém, havia diferença no aparentar do dois. E essa estava no trato capilar. Laiticia se portava de fios ondulados com uma trança bem no meio e Krök, seu irmão, com um cabelo longo e liso.
Ambos estavam ali. Parados observando aquele planeta com uma visão panorâmica da proa da nave deles. Somente uma espécie de vidro, o U - nz inibia o vazio do universo de os matarem - vidro invisível, impossível de ser sentido com o toque das mãos dos passageiros, mas que protegia de tudo que viesse de fora contra ele ou fosse contra ele do lado de dentro de forma perigosa ou violenta. Um vidro inteligente.

- Este globo é lindo. Com o cuidado e uma direção sábia chegarão à evolução.
- Como nós, Laiticia? Assim como nós? - Ele se virou para ela, abriu bem os braços e questionou. Depois, voltou a se apoiar na grade e a observar aquele planeta.
- O que você quer dizer? - Dessa vez, quem se virou foi ela. - Você acha que não evoluímos? E porque então mantinhamos uma ordem de pessoas dedicadas à justiça e à pureza humana? Por que tinhamos a nós? A Legião? O cuidado com o que é certo não é um sinal de uma sociedade crescida em termos morais e humanos? - Ela achou que havia lhe dado um touché e por isso sorriu deleitosamente. Olhou para ele, que não retribuiu olhar algum a ela e então, virou-se e começou a andar por aquele salão que servia para observar o mundo exterior sem ter que fazê-lo por uma tela computadorizada.
- Laiticia, querida... Uma ordem que fracassou. Ninguém mais quis fazer parte dela. Ou melhor: todos que faziam parte dela, traíram o próprio espírito de sua ordenação. Os que deveriam ser puros, justos e lutar por tudo isso em seu mundo, se tornaram corruptos, aceitaram subornos dos governantes, fizeram vista grossa às imundícias de seus povos. Calaram-se. A Legião fracassou.
Então, Laiticia parou com toda a caminhada e de costas à Krök, se pôs a pensar. Pesarosa se lembrou de como os governos de seu planeta decidiram pôr um fim legal a toda Legião Guardiã e excomungaram e exilaram quem quisesse continuar nela. Recordou-se triste em lamentos que só ela e seu irmão optaram por permanecer na ordem. E de como os dois tiveram que recolher suas coisas, dar adeus ao seu mundo que noticiava "o fracasso da justiça e da pureza (idiotice): Legião Guardiã extinta. Remanescentes exilados". Então naquela nave procuravam algum lugar para morar, vagando pelos sistemas e as galáxias. Toda a sua civilização, todo a sua Humanidade havia renegado à busca pelo justo, bom e puro. Assumiram a decadência.
- E não acho que há algo de bom para doarmos a estes povos bárbaros presentes neste globo do qual nem sabemos o nome. - Então, isso que Krök disse fez Laiticia sair de seu torpor.
- Nem mesmo a Esfera da Justiça e Pureza. - Krök completou indo devagar até ela. - Acho que nunca mais alguém ou sociedade alguma aceitará algo desse tipo cheio de justiça e pureza. Poderiam declarar o fracasso das duas no universo todo, eu acho. Acho que foi um erro, você trazer a Esfera conosco. Os governantes de Aikia devem estar loucos atrás dela. Pois ela pode disseminar o "mal". - Nesta hora, o rosto de Krök demonstrou deboche a toda sua civilização inimiga do que ele considerava mais precioso.
- Krök! - Ela exclamou em voz baixa num suspiro de espanto. Um universo onde não haja um lampejar sequer de justiça e pureza? Que terrível! - Não pense assim, tão desesperançoso. - Laiticia colocou a mão direita no ombro dele - Se você abandonar a esperança e a fé estará se colocando junto aos traidores que abandonaram a Legião. - Naquele momento, ele teve um olhar atento, interessado e grave que queria compreender o que ela diria e sabia que seria algo importante.
- Quem abandona a fé e a esperança, não vê razão para a execução da justiça ou da pureza. Vê tudo como um fim desgraçado, sem solução. E é por isso que Aikia está do jeito que está. Eles perderam a fé no que o Criador Maior disse uma vez que eles eram e poderiam ser. Devem estar se vendo como esterco - ou blaztzt, como eles chamavam em aikiê - na atual circunstância. Não seja como eles. - Ele abaixou a cabeça. - Tenha fé. - Ela a levantou com a firme leveza de sua mão e conclamou derramando o discurso nos olhos do irmão. - Tenhamos fé. É o que tenho me dito desde que decidiram nos odiar por causa do que buscamos.

O sorriso dela atiçou o sorrir dele. Então, foram. Horas depois, pousaram num deserto rochoso daquele planeta que a partir de então chamariam de lar.

GRANDE MOMENTO

Os dois irmãos estavam diante da Esfera da qual tanto falaram. Um globo pequeno transparente feito de arzga - um vidro mais avançado que U - nz que se remexia como água. Ela guardava todo o conhecimento da Legião Guardiã, ou seja, o saber acumulado sobre justiça e pureza de toda a humanidade de Aikia. Laiticia indicou com a cabeça para Krök pegar aquele objeto um tanto sagrado.
- Tenha a honra, Guardião. - Ela sorriu para ele.
- Guardiã. - Ele acenou agradecendo. Pegou a Esfera com muito amor e zelo. Olhou com olbos olhos cheios de sorriso para sua irmã. - Pronta?
- Pronta. - Ela respondeu após alguns poucos segundos. Então, ela deu um mão para a mão livre de Krök e a porta da nave soltou um chiado. Aos poucos, ela foi se abrindo até que bateu como rampa no solo. Quando todos guardiões da Legião davam as mãos, algo acontecia. E nesse caso, as portas que eles deveriam abrir, se abriam.
- Como pesquisamos, você sabe que eles são todos bárbaros selvagens neste mundo, certo? Não há países, estados, governos. Só indivíduos aglomerados no meio de suas matas passando o tempo com guerras entre tribos. E outra: constatamos que é alta a violência e o ódio entre eles. Milhares são mortos todos os "giyins (traduzamos para 'calendário/ano')". Não sei se me parecem abertos à justiça e pureza- Ele intimou virando a cabeça para ela num último acesso de dúvida.
- É. Mas todo mundo anseia por justiça e pureza - quando diziam "justiça e a bondade" na língua de Aikia, isso dava num jogo de palavras e fonemas que resultavam numa nova palavra. A resultante era a palavra deles para "bondade", "vraiet". Muitas vezes não se sabia se falavam aquelas duas ou esta última.
- Você acha?
- No fundo, sim. E mesmo que sejamos nós dois, já o suficiente. O Bem faz a sua luz brilhar na escuridão, mesmo que seja uma luminária só. Qualquer luz na escuridão já faz diferença. E olha que sorte: estamos em dois. É melhor do que estar em um.
- Hm. É. Será que ao menos existe um nome para este planeta? Ou será que nem sabem que vivem num planeta? - Depois disso, ele deu um riso sarcástico.
- Sem complicações, Krök. Você pensa demais. E se eles não tiverem um nome pro mundo deles, vamos ajudá-los a escolher um. - Ela riu. - Eu já tenho uma sugestão.
- Ah, é? - Ele questionou com surpresa curiosa no rosto.
- Sim. Vraitita - em aikiês, "a bondosa" ou se desmembrar as palavras umas das outras, "cheia de justiça e pureza".
- Gostei. Vou apoiar esta escolha- Riu - Que o nome seja uma profecia sobre este mundo.
-Tenha fé.

Um sorriu para o outro. Saindo da nave, adentraram naquele deserto de rochas avermelhadas sob um céu azul que portava o seu sol amarelo. Começaram a sua marcha debaixo de calor e luz. Não só daquele astro fumegante no alto do céu. Algo mais raiava. Era o fim da escuridão e confusão causadas pela ignorância. Então, aqueles povos souberam quem eram e o que deviam fazer ao passo que Laiticia e Krök foram morar com eles. Os dois encontraram ali um novo lar e um fôlego para sua missão. As guerras cessaram e a violência desordenada também. A barbárie não mais imperava. A população ficou saudável e cresceu em milhões. Reinos se estabeleceram e a sabedoria da Esfera era seguida. Foi assim, então, o amanhecer de Vraieda.

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AS CRÔNICAS DE VRAIEDA II: O AmanhecerOnde histórias criam vida. Descubra agora