Prólogo

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"Merda de vida".

A frase saiu de um sussurro dos lábios de dois jovens há quilometros de distância.

Não, se você está pensando que eles estão sofrendo por estarem longe um do outro, está enganado. Eles estão, na verdade, sofrendo por terem que ficar próximos.

Harry estava sentado na mesa de sinuca que tinha no canto esquerdo do seu quarto, encarando a bola 8 que estava na sua mão, dando goles em uma cerveja que estava o chamando dentro do seu frigobar que ficava perto dos sofás.


Luna estava sentada na rede da varanda de seu quarto, que dava de frente para seu quintal - um quase bosque -, vendo seus cachorros brincarem em meio as árvores enquanto ouvia uma música qualquer.


"Harry, precisamos conversar" Charlie falou, abrindo a porta e sentando na cama do filho.

"Acho que já conversamos o bastante" respondeu, dando o ultimo gole e jogando a garrafa no lixo, acertando em cheio.

"Não acha que já está na hora de deixar essa vida de adolescente para trás? Está na hora de assumir suas responsabilidades, eu não vou estar aqui para sempre te bancando, muito em breve você assumirá a empresa e preciso estar seguro de que você está preparado para isso" o homem com os mesmos olhos verdes que o filho disse, enquanto alargava a gravata.

"O problema, pai, é que eu ainda sou um adolescente" suspirou, olhando o homem em sua cama. Era agora que ambos sabiam que o instinto de rebeldia afloraria. "Com muito em breve você quer dizer o que? Você impôs meu futuro antes mesmo de eu saber que essa palavra existia! Não espere que eu deixe de ser quem eu sou pra levar sua sujeira em frente, dê pra qualquer um de seus funcionários, garanto que eles farão melhor proveito do que eu" pulou da mesa de sinuca, pegou a chave do carro e foi em direção a porta.

"Daniel e Stella vão se mudar para cá semana que vem" o homem seguiu o filho com os olhos.

"A unica Stella que eu conheço foi a que eu acabei de jogar no lixo" ele pegou um dos casacos que estava pendurado em alguns ganchos atrás da porta.

"Não me importo em te apresenta-la novamente" Charlie era bastante paciente, mas quando perdia a paciência ninguém o segurava... Tal pai, tal filho. "Dessa vez como sua sogra".

"A Luna não..." Harry se alterou, quase gritando. Fechou os olhos e suspirou, se acalmando um pouco "Não se iluda, pai. Não vai acontecer" ele falou entre dentes, abrindo a porta.

"Não acho que você tenha escolha, Harry" ele sorriu, irritando o filho mais ainda, então o mesmo saiu batendo a porta tão forte que os outros casacos cairam do gancho da porta.


"Já sabe o que vai levar, querida?" Stella falou, acariciando os cabelos da menina deitada na rede.

"Qualquer trapo" ela respondeu, sem animação, desejando com todas as forças uma cerveja na sua mão.

"Luna, não seja assim" disse, sentindo pena, mas não havia outra saída "Se vestir como mendiga não vai anular os fatos".

"Mas os tornam mais confortáveis e expressa minha revolta" suspirou.

"Você se veste como mendiga dentro de casa" riu, apontando as vestes da filha.

"O que tem de errado com conforto acima de tudo? To em casa mesmo" disse, analisando a calça de moletom azul marinho desbotado com uma regata florida e uma camisa xadrez por cima.

"Nada. Só não acho que combine com você sair assim em público, querida" sorriu, a fazendo sorrir também.

"Mãe, eu sou praticamente uma criança, você acha isso justo?"

"Não, querida. Mas quanto antes você assumir suas responsabilidades, antes você cresce. Não temos certeza do futuro, Luna, é tudo pelo seu bem." acariciou o rosto dela ternamente "Vou mandar a Judith fazer sua mala com o basico" disse, e foi atrás da empregada.

"Mas eu não quero crescer" disse, querendo chorar.


Não sabia porque raios havia concordado em fazer aquilo, mas o fez. A caligrafia bem desenhada que sabia fazer, mas nunca fazia, por não achar uma letra digna de um cara, saiu um pouco tremida - o que deu um certo charme a mais ao cartão branco com bordas douradas.

A caixa de veludo havia sido enviada com o simples cartão que tinha um significado pesado para ele, não sabia que efeito aquilo causaria na garota. Não sabia se ela aprovava ou não, aceitava a ideia ou talvez até gostasse. Até porque, que garota não gostaria de ser prometida a alguém como ele?

Escreveu com suas próprias palavras, mascarando a contra vontade, mas do seu jeito: curto e objetivo.

Nem tinha escolhido o "presente", não sabia porque o nome dele tinha que estar naquilo.


Quando chegou em casa, tirou os fones de ouvido quando viu um cartão com uma caixa em cima. Sorriu, já imaginando quem havia deixado ali. Ficou feliz, amava os presentes que seu pai dava.

Abriu o cartão primeiro, amava ficar mais curiosa. Deixava o gostinho de abrir o presente mais agradável. Tão bonita quanto, aquela não era a letra de seu pai. A tinta preta contrastando com o cartão branco dizia:

"Soube que houve um acidente com a outra, espero que goste desta. Acho que eu deveria te dar pessoalmente, mas não tive oportunidade ainda. Te vejo semana que vem, mande lembranças a Stella e Daniel. X Harry"

É, a outra acidentalmente escorregou de sua mão até um ponto além do quintal. Uma pena.

Suspirou, cansada, abrindo a caixa de veludo: era mais bonita que a anterior. Apesar de que preferia não estar usando nessas circunstâncias, não podia negar sua beleza.

Harry deveria ser aqueles filhinhos de papai idiotas que fazem tudo o que os pais mandam por dinheiro ou... Ou por ser filhinho de papai mesmo. Deveria nem estar ligando pro que estava prestes a acontecer pra agradar o pai.

O que ela estava falando? Ela mesma estava fazendo isso para não ir contra as vontades de seu pai.

Como queria que aquilo tudo fosse mentira e que seu pai desistisse de uma vez por todas, pensou enquanto olhava a aliança de noivado, que pesava mais que seu coração, em seu dedo anelar.


Eles eram como um espelho.

Afinal, o espelho reflete a mesma imagem... Inversa.

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