Último Dia

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VI. Admirável mundo morto

Hoje não é o dia da salvação. O teto é o mesmo de sempre. Meu corpo está mais dolorido do que ontem, algo se aproxima, cada vez mais perto. Olho pro meu corpo boiando naquela banheira, com as roupas de sensores coladas em minha pele e puxo a cruz do meu pescoço, beijando-a. Mais um dia inteiro.

Deixo a banheira, a água esparrama-se pelo piso. Puxo do bolso do meu casaco o pequeno aparelho. Em seu visor, está marcado o número mil e cinco. Pode ser qualquer dia, de agora em diante. Mas não foi hoje.

Caminho ao redor da banheira, verificando os pinos faiscando uma luz azulada como relâmpagos contidos. Eu os desligo puxando o plug próximo à cômoda revirada. O quarto continua como na noite passada, parte das telhas jogadas ao canto, revelando o céu completamente cinza acima.

O pilar continuava no horizonte, subindo aos céus e espalhando sua energia.

O mundo ainda estava morto.

1: Ciência e fé

Mil e cinco dias antes, eu conheci Lana, filha do cientista. Ela me encontrou no meio de uma ponte, enfrentando alguns Aldrons com o auxílio da minha Bazuca Centaura. Os malditos Aldrons pareciam com drones, mas do tamanho de helicópteros. Caçadores implacáveis dos sobreviventes do Flagelo, eles estavam em todo lugar.

— Queimem, malditos, queimem no inferno! – Eu gritava, exausto demais pra continuar lutando, quase depondo minhas armas, atirando a esmo com a Centaura, reconhecendo que aquele era meu fim!

Ajoelhei-me, puxei a cruz do meu pescoço e dei um beijo, fechei meus olhos e pensei nelas. Eu finalmente me juntaria a elas no outro mundo.

Um Aldron voou diante de mim, minhas roupas pesadas esvoaçaram e torci pra não sentir dor na hora da morte. Porém, um vulto interrompeu minha passagem e cortou o Aldron ao meio. As duas partes do maquinário serpentearam no ar, cada uma pra um lado, enquanto a moça pousou sobre o chão da ponte com uma pose elegante. As chamas atrás dela me fizeram lembrar daquela lenda sobre a fênix, e de fato, naquele dia, eu renasci dos mortos.

— Quem é você? – Eu perguntei, cobrindo meus olhos do fogaréu formado no ar. Ela aproximou-se de mim e me estendeu a mão com um smartphone. Não via um daqueles há milênios.

— Ah, ela finalmente achou alguém capaz de realizar a missão. Obrigado, Lana! – um velho com jaleco amarelado falou através da tela. — Meu nome é Isaias, filho, e tenho uma questão para você: está interessado em salvar o mundo?

V: Eixo

Mil e cinco dias depois daquele, eu caminho pelas ruas de Mortalha, nossa cidade-país-continente ou chame do que quiser. O mundo todo se transformou em Mortalha, um território dominado por gangues de máscaras de gás espalhadas pelas ruas contra a máfia subterrânea, e todos contra as sociedades suspensas alojadas nos prédios mais altos; tudo isso dividido em facções.

Eu escolhi aquele canto da cidade por ser isolado de tudo isso. Além disso, eu nunca tinha visto um Aldron pairando por aquelas bandas, o que significava que, por enquanto, eu estava bem.

Havia três semanas que a menina era meu Eixo. A escolha era fácil. Ela estava alojada em um abrigo de órfãos, um bando de crianças esperando pra morrer. Seu nome era Alice, eu a escolhi por que no primeiro dia em que andei por aquelas ruas, ela trombou em mim com um saco de pães roubado, e eu me fascinei por seus olhos. Eles lembravam os de minha filha.

Naquela manhã, eu caminho até o abrigo e lá está Alice, como uma mãe pras outras crianças, ainda que tivesse seus dez anos, dois a mais do que a maioria.

Último dia - Vencedor do segundo concurso #ScifiBROnde histórias criam vida. Descubra agora