Prólogo

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Virou-se e revirou-se na cama, novamente irritado. O barulho não parava! Amaldiçoou, não pela primeira vez, a hora em que o apartamento de cima fora alugado à estudante.

Estudante, pois sim. Havia outro nome para o que ela fazia, e não era nada simpático. Entre festas e folguedo, passava mais tempo com a casa cheia de gente e barulho do que propriamente a estudar. Mais uma que passeava os livros e gastavao dinheiro dos pais, era o que era! Gente a entrar e a sair a qualquer hora do dia, se aquilo tinha jeito! No meu tempo não era nada assim!

Olhou novamente para o mostrador do relógio. Duas da manhã e o barulho não diminuía.

Irritado, atirou com roupa da cama para trás, tacteou à procura da bengala que dormia todas as noites encostada à messinha-de-cabeceira e apoio-se pesadamente para se conseguir levantar.

Vestiu o roupão com alguma dificuldade e abriu a porta do quarto. Maldisse a sua sorte enquanto destrancava a porta das escadas e subia vagarosamente os velhos degraus.

Ao chegar ao segundo andar, o barulho intensifivou-se. Rosnouentre dentes, enquanto batia pesadamente à porta com o castão da bengala.

- Vamos lá a parar com o barulho, há aqui quem queira dormir!

A porta velha, pintada de um tom castanho horroroso, deslizou suavemente sob o castão da bengala, e ele viu-se brindado com o som ensurdecedor da música em altos berros. Ficou momentaneamente pasmo. Que deixassem a porta aberta, já de si era estanho, mas que não senouvia nada, nem ninguém para lá do barulho da música...!

Se é que se podia chamar aquilo música...

- Ó da casa! - chamou, ainda da entrada. Calcolou que ninguém o ouvisse, pois quem é que ouvia o que quer que fosse por cima do barulho altíssimo que saia da aparelhagem?

Entrou, apoiando-se da bengala. A disposição da casa era idêntica à sua, mas tinha uma decoração muito mais moderna. Quadros coloridos animavam as paredes, as luzes dos protetores iluminavam um hall que recebera obras antes da vinda da nova inquilina e o soalho não rangia, como o seu.

À sua esquerda estava a porta da cozinha, entreaberta, mas foi para a sala, uma porta à frente, que se dirigiu pois era de lá que vinha o som da música.

A sala estava uma prefeita confusão. Não se percebia bem onde começava o sofá e acabava a mesa, pois um e outro estavam cheios de roupa, espalhada ao acaso. Havia várias garrafas vazias no chão e o velho franziu o nariz, com desdém. Esta malta nova, sempre metida nos copos...

Tropeçou em algo e praguejou. Um soutien estava caído, enrolado obscenamente à volta da bengala.

- Porca...

Coxeou até à aparelhagem, mas como não percebia nada daquilo, optou por arrancar a ficha da tomada. O silêncio imperou de imediato, fazendo-o respirar fundo. Por fim, paz!

Demorou a perceber a incongruência. Se estava alguém em casa para ter a música ligada naquele volume, porque não aparecia ninguém para verificar o que se teria passado com a aparelhagem?

Sentiu-se invadir por uma sensação de mal-estar. A desordem era muita e teve de ter em atenção onde punha os pés. A casa, de disposição idêntica à sua, não era grande e em frente à sala estava uma porta fechada que, tal como a sua, dava para o quarto. Hesitou antes de bater à porta. Como ninguém respondesse, usou o castão da bengala para bater com mais forca.

Tal como a porta da entrada, a do quarto deslizou silenciosamente e ele empertigou-se, pronto a descompor a rapariga.

No entanto, ninguém estava à entrada da porta. Cada vez mais confuso, entrou no quarto e chamou novamente:

- Ó da casa!

Pareceu-lhe ver um vulto em cima da cama, e sentiu-se ignorado. Irritado, tacteou a parede a procura do interruptor e acendeu-o com gestos bruscos. Ao olhar para a cama, porém, estacou.

A mulher jazia na cama, de pernas e braços abertos. Estava vestida com uma diminuta camisola de noite, e os olhos fitava o vazio, sem realmente o ver. Um pedaço de tecido estava enrolado na sua graganta , enquanto os braços se encontravam solidamente às colunas da cama.

Só quando passos ecoaram no corredor é que parte do seu cérebro registou que os sons desconexos que ouvia era a sua própria voz, a gritar aterrorizadamente.

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