2º ATO

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( Entra o noivo, bem vestido, pronto para casar. Vem do fundo da platéia com uma capa branca que cobre seu rosto, ao som de música de casamento. Chega-se até o meio do palco, vira-se para a platéia. Chama pela noiva, mas não ouve a sua voz. )

NOIVO

Amada minha. Amada minha. Onde estás?

Não há resposta.

NOIVO

Amada minha. Amada minha. Onde estás? Responda-me, por favor.

Não responde.

NOIVO

Amada, não me deixe nesse vácuo de profunda tristeza em não ouvir a tua voz. Responda-me. Onde estás? Por acaso não me ouve te chamar?

Silêncio

Uma voz melosa, chorosa, bem baixa, responde.

NOIVA

( chorando ) Estou aqui, meu senhor.

NOIVO

(procura com o olhar) Ó amada minha. (sorri) Como é maravilhoso ouvir tua voz. Por que se esconde, minha amada? Vim buscá-la. O que há de mal contigo? Venhas encontrar-me.

NOIVA

Não posso meu amado, sinto vergonha. Pois saiba que minhas vestes estão manchadas de puro escarlate. Sinto dores devido a isto e já nem imagino mais como são teus olhos, como é teu rosto, pois perdi aquele encanto que antes tinha por ti.

NOIVO

( triste ) Ó amada, o que causou tanta agonia?

NOIVA

( chora ) Sinto vergonha.

NOIVO

(sentido) Confesse teu pecado. Sabes que te perdoou.

NOIVA

Eu não consigo. Meu pecado me envergonha.

NOIVO

Diga-me a que grau atingiu esse pecado que te faz sofrer. E estar distante de mim. Diga-me.

Conhece-me muito bem e sabes que nunca de forma alguma desprezarias o teu amor se a mim viesses. Mas só preciso ouvir o que tens a dizer-me para que possa ajudá-la.

Choro, soluços. Um silêncio.

NOIVO

Amada? Ainda estás a me ouvir? Por que cessou a tua voz? Diga-me: fala? O que tens a dizer? Estou preparado. Se pudesses ver as minhas vestes de pura lã fina especialmente para teu encontro. Eu soube quem tu eras, prostituta na terra. Arranquei-te das mãos do mundo e te assentei ao meu lado para reinares comigo. Este é teu direito, não deves jogar fora. Ninguém teve a oportunidade que te concedi e nunca terá. Veles sempre por essa oportunidade, por isso.../

NOIVA

(corta mansamente) Falas e a cada palavra que dizes me dói ainda mais à alma. Prostituta de esquina que me visses ao longo de minha vida errante e me arrancastes do tenebroso mundo que me prendia para que eu vendesse minha aliança a mercadores de ouro dotados de fúria e maldade. Para que eu gozasse ilicitamente de bens do mal e fingisse ser meus e os adorasse e ansiasse feito cão a mesa pretendendo um fiapo de pão do seu senhor. Má. Incrédula e desejosa de prazeres da carne. Fui errando pouco a pouco e me deixando por migalhas desse mundo, enfeitiçada pelas máscaras que a mim vinham de toda parte me iludindo e me deixando marcas profundas e manchas pelo corpo. Se pensares, não mereço se quer que fales comigo, que ouça minha voz afogada.

A noiva restauradaOnde histórias criam vida. Descubra agora