A coisa que espreita no escuro

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"O medo pode apenas crescer na escuridão. Uma vez que você enfrentar o medo com luz, você vence."

- Steve Maraboli



O escuro se estendia como um véu diante dos olhos de Daniel. Seu coração sobressaltava. Não conseguia lembrar ao certo com o que sonhara, mas sabia que fora horrível. Silêncio desnatural era tudo que havia, pesando tangivelmente como se o garoto fosse tudo que ainda restasse do mundo.

Estendeu o braço para fora da cama e tateou o tapete em busca do celular. A luz da tela rasgou a inexistência negra que permeava tudo. Eram 3h02, e o aparelho marcava 6% de bateria. Daniel praguejou ao conferir se o cabo estava conectado na tomada. A maldita energia devia ter acabado.

Desembaraçou-se do lençol, incomodado com o calor. Sua garganta estava seca e ardia, mas algo naquele vazio negro o intimidava de levantar e ir até a cozinha. A cama rangeu sob seu peso quando Daniel se levantou, relutante. A lanterna do celular escarrava uma luz mortiça que mal iluminava dez passos à frente, e a escuridão parecia se contorcer ao seu lado como uma massa orgânica. Era desconcertante caminhar pelo corredor, e um incômodo indescritível o acompanhava vagarosamente pelas costas. Uma sensação lúgubre e perturbadoramente familiar, como se algo nas entranhas do escuro o observasse.

No entanto, por piores que as trevas fossem, a luz trêmula parecia fazer mais mal do que bem, pois as sombras projetadas na cozinha exibiam formas curiosas que dançavam grotescamente com a aproximação do garoto. O silêncio era ensurdecedor, mas algo na escuridão ao seu redor fazia Daniel temer sequer sussurrar e chamar a atenção de algo.

Ao voltar para o quarto, a sensação de algo se aproximando pelas costas era ainda mais palpável, e Daniel se apressou. Algo dentro de si despertara, algo como um instinto primitivo de presa o incitando a acelerar, correr, fugir. Um pânico mudo reverberava dentro de si, e, buscando algum mínimo reconforto, não virou à direita para seu quarto e meio-acelerou, meio-correu até a porta no final do corredor onde seus pais dormiam.

Mas não havia ninguém lá para reconfortá-lo.

Ele recuou, incrédulo, do quarto perturbadoramente ajeitado. Podia sentir a escuridão o envolvendo como um abraço indesejado, e a cama vazia de seus pais fez sua cabeça pulsar com mil dúvidas. O medo queimava suas entranhas, e Daniel virou-se para trás abruptamente, procurando por algo que não sabia o que era. Iluminou o chão, o teto, e novamente o quarto vazio, buscando algum sinal que pelo amor de Deus desmentisse aquela sensação de paranoia crescente, mas não importava para onde apontasse sua lanterna, sentia alguma coisa espreitando-o sempre por trás, sempre no escuro. Algo como um olhar odioso e faminto que se aproximava e sufocava até o ponto em que o medo sobrepujou a razão, e Daniel correu.

Suas pernas fraquejavam enquanto buscava as chaves da porta da cozinha na mochila, e seu tinir metálico rompeu o silêncio como uma serra rústica nos ossos de algo vivo. O celular marcava desesperadores 4% de bateria, e o coração de Daniel batia como um tambor para o qual a escuridão dançava e turbilhonava. Ele se virou e acelerou em direção à porta, mas não foi capaz de sair para o corredor. Ou para o que deveria ser o corredor.

A parede em frente à sua porta estava coberta de pústulas que brilhavam oleosas com a luz trêmula da lanterna do celular. O corredor, impossivelmente comprido, era coberto de descamações que revelavam gangrenas esponjosas. Daniel recuou até chocar-se contra a escrivaninha, quase derrubando o monitor do computador.

Num breve momento de lucidez, teve a certeza de que tudo não passava de um pesadelo. Inclusive, para provar, fincou as unhas na palma da mão até seu corpo ceder à dor. Incrédulo, cravou-as na raiz da unha do polegar e a pressionou com toda a sua força. Resistiu até quase convulsionar de dor e o sangue escorrer até a ponta do dedo, pingando preguiçosamente em intervalos irregulares.

A coisa que espreita no escuroOnde histórias criam vida. Descubra agora