A sala não tinha teto. Ele era o infinito negro acima de mim. Lá, bem no alto, havia algo. Alguma coisa indefinida. Mas eu não conseguia enxergar.
Infinitos também eram os espelhos. Havia milhares deles ao meu redor. Um sobre o outro. Redondos, grandes, pequenos, quadrados. Havia aqueles que aumentavam meu rosto, aqueles que o diminuíam.
E o meu rosto. Infinitas vezes naquele inferno.
Eu não sabia por quanto tempo estava ali. Estava sentado em uma cadeira desconfortável de madeira. Minhas mãos estavam atadas atrás das costas. Sentia fome, mas sobretudo sentia sede. Sentia falta da luz. Sentia falta das pessoas.
Não aguentava mais olhar para meu próprio rosto.
Ele estava em todos os lugares, em todos os espelhos. Eu tentava fechar os olhos para não vê-lo, mas não conseguia permanecer assim por muito mais tempo. Minha cabeça doía. Queria dormir, morrer de exaustão, mas a adrenalina corria por minhas veias. Eu me revirava, mas não conseguia me soltar. Gritava e só recebia como resposta o eco da minha própria voz.
O que era aquilo, afinal? Um jogo doentio? Alguém estaria do outro lado dos espelhos, divertindo-se com a minha dor? “APAREÇA!”, eu gritava. Apareça, apareça, apareça.
Ninguém apareceu.
Eu estava sozinho.
Eu e o meu rosto. Refletido infinitas vezes. O meu próprio rosto, o meu algoz.
Gritei de frustração. Agitei-me na cadeira, tentei me soltar. Caí de borco no chão. O chão era feito de espelhos também. Ele rachou. Um caco de vidro penetrou minha face. Urrei de dor, mas também sorri. O sangue escorreu, manchou o meu rosto distorcido no vidro. Tão de perto parecia até outra pessoa que não eu.
Talvez fosse.
Eu ri. Alucinadamente. Histericamente. Será que alguém ouviria? Eu gritei “Ei, seu maníaco, não é engraçado? NÃO É ENGRAÇADO?”.
Não era.
Permaneci naquela posição pelo que pareceram horas, meu rosto ensopado do meu próprio sangue.
Então ouvi o primeiro som. O primeiro ruído diferente da minha própria voz. Vinha de cima, do infinito negro sobre mim.
Eu tentei me levantar, mas o máximo que consegui foi virar meu rosto para o teto escuro.
Havia algo. Aquilo que eu tinha enxergado antes. Alguma coisa. Uma luz, talvez? O barulho crescia. Aquela coisa crescia.
Quando percebi do que se tratava, já era tarde demais.
Era uma espécie de máquina ou de triturador. De lixo, talvez. Não importava o que era. Eu gritei, desesperado. A gente sempre tenta viver quando a única alternativa é morrer. E era só isso que me restava. Mas eu queria viver, não sei bem por quê. Dizem que é instinto.
Aquela coisa se aproximava cada vez mais rápido, o barulho ensurdecedor criando zunidos nos meus ouvidos acostumados com o silêncio. Os espelhos se partiam e choviam cacos de vidro em minha direção. Eu não conseguia me desviar deles, então fui sendo retalhado, pedaço por pedaço.
Quando o triturador desceu sobre mim não havia muito mais do que pedaços de carne para moer.
Ainda conseguia gritar.
E gritei.
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