A Vã Filosofia

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"Eu deveria ter visto todos os sinais a minha volta.
Mas eu estava confortável dentro das minhas feridas
Então vá em frente e pegue outro pedaço de mim."

Eu sequer me lembrava das duas últimas noites, exceto pela bebida desregrada e pelos flashes das drogas que usei. Porém, quando o despertador me acordou com "Death Of Me", de Red, eu já me levantei com a plena certeza de que o sentimento de culpa que se despertou em meu interior não era por acaso.

- Se realmente há um Deus no céu, Ele é irônico até em brincar com a música do despertador do meu celular, porque com certeza não foi essa que eu configurei para me acordar.

Foi ao tentar me levantar da cama que eu senti a dor irradiar do cérebro até todas as outras partes do meu corpo.
"Certo Adam, líquido é tudo o que você preciso agora e você vai ficar bem."

Eu sempre fui extremamente, e até as últimas consequências, racional demais. Isso já me deu boas oportunidades, assim como tomou outras. Bem menos pra primeira opção. Não que eu seja um baladeiro incorrigível, não me entenda mal, mas sempre preferi fugir dos meus problemas com música alta e drogas variadas, do que enfrentá-los.
Sabe aquela sensação que você fez algo muito errado e que vai te custar uma vida inteira pra arrumar? Além da dor, essa é uma sensação que me invade, mas com uma outra:
A de que não tenho um vida inteira pra arrumar nada.

Após sessões de tortura até levantar e pegar um copo de água na cozinha, eu percebo que estava certo, pois bastaram os primeiros goles de água para que eu tivesse o primeiro flash de lembrança das duas últimas noites:

- COMO ASSIM EU NÃO VOU AO FESTIVAL DE MÚSICA DA CIDADE AO LADO, VOCÊ ENLOUQUECEU DE VEZ, VELHO?

- Filho, eu sei o quanto você queria ir, mas nesse mesmo dia eu tenho de estar no hospital geral da cidade.
Tenho sentido algumas dores no coração e eles exigiram que eu fosse pela manhã, acompanhado, e só saísse de lá da mesma maneira, e esses exames podem demorar.- Disse meu pai, Alex, se mostrando desolado.

- EU NÃO LIGO! Você consegue ver o problema aqui? Desde a morte da mamãe, eu sou sempre o culpado por tudo!Sempre tenho de resolver problemas que não tem nada a ver comigo e que eu não causei. - Não tinha a ver com os exames, tinha a ver com sempre ser cobrado de mais e reconhecido de menos, e meu pai nunca conseguia ver isso. Mas como reclamar? Eu estava fazendo o mesmo.

- Filho, eu não estaria te pedindo se não tivesse esgotado todas as minhas opções, eu sei o quanto você trabalha e como você tinha planejado se divertir nessa festa com seus amigos. - Agora ele estava tentando me convencer bancando o velhinho necessitado de 60 anos, triste erro.

- Você não é o religioso fervoroso? Eu sugiro que você ore pra que o seu Deus, se é que Ele existe mesmo, resolva essa situação pra você, porque eu não irei. - Ironia e sarcasmo, tão úteis pra mim quanto os braços esquerdo e direito.

- Tudo bem filho, Deus vai me ajudar a resolver isso, desculpe por incomodar. - Disse o velho, claramente reprimindo as lágrimas que mesmo se rolassem, não me fariam mudar de idéia.

Você pode até achar que eu sou o monstro, que eu sou o vilão. Mas você quer mesmo ouvir a verdade? Sem máscaras e maquiagens?
Todos nós somos ainda piores que demônios.
Demônios são o que são, fazem o mal porque é o que os compõe: eles fazem o mal pois são fazedores do mesmo. Mas e nós?
Quantas vezes nós podemos fazer o bem e ainda assim fazemos o mal? Eles fazem o que fazem e nunca negam suas atrocidades. Nós fazemos as maiores monstruosidades e depois temos a audácia de lavar nossos rostos antes de dormir e sequer ter a consciência pesada com as vidas que destruímos, e se no outro dia alguém nos perguntar se fizemos tal coisa, ainda negaremos como se acreditássemos que não ter feito tudo o que fizemos é a única verdade existente.
Então você é tão demoníaco quanto eu, e me arrisco a dizer, talvez até pior.

Os momentos que se passaram após isso no flashback foram muito breves, lembro-me apenas de outro fragmento de memória:

Ao levantar de madrugada na mesma noite da discussão para ir ao banheiro, ao voltar para o meu quarto eu paro e espio na porta entreaberta do quarto do meu pai. Lá dentro, vejo um velho que mal aguenta o peso do seu corpo em pé, de joelhos, e mãos entrelaçadas em frente ao rosto, e olhos fechados dizendo:

- [...]Deus, me dê sabedoria para lidar com o Adam. Ele não é mais meu bebêzinho, e eu sei disso, mas eu não quero perdê-lo, e tanto quanto não quero perdê-lo, também não quero que ele se perca. E peço ao Senhor que toque no coração dEle, que use dos seus caminhos que eu não sei quais são, para que ele se encontre e principalmente, para que ele Te encontre. Ah! E muito obrigado por me sugerir que pedisse ao sr. Max para me levar amanhã naquela conversa casual de vizinhos. O Senhor sabe de tudo mesmo né?

Depois disso, como em um sonho, o flashback começa a desvanecer, e em proporções opostas, uma enxaqueca tão forte quanto uma batida de carro, seguida (como se fosse o impacto da mesma batida) de um gosto forte e amargo vindo do fundo da garganta me surpreende: Sangue.
E então tudo começou a escurecer.

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⏰ Última atualização: Jun 14, 2016 ⏰

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