Livre para ser você e eu

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Leonardo segura sua mochila impacientemente durante todo o trajeto. Sua mochila é tudo o que ele conhece agora. Há um tesouro escondido ali. Um? Não, centenas deles, cada um em uma página diferente, apenas esperando para serem descobertos. E por ser proibido, se torna tão precioso e seu cuidado é redobrado. Cada pessoa que olha para ele no trem ou na rua ele pensa ser um delator em potencial, que aquela pessoa irá atacá-lo, revelá-lo, expô-lo e, então, acionar a polícia.

Nada disso aconteceu, claro, e se as pessoas direcionavam seus olhares a ele, é pelo próprio Leonardo aparentar culpa e paranoia, andando abraçado com sua mochila e constantemente verificando suas costas, temendo estar sendo seguido. Uma atitude suspeita, mas estes são dias em quem ninguém quer se envolver com problemas, então eles ignoram um homem estranho. A polícia que resolva se quiser.

Ele chega à frente de um prédio e olha ao redor: ninguém a vista. Bate na porta e espera até que alguém o atenda. Uma portinhola se abre e um par de olhos surge. Eles sabem quem ele é, todos sabem. Mas precisam ter certeza de que não está sendo seguido e por isso não poderá comparecer à reunião.

– Qual a senha? – O homem pergunta.

– "Naturalmente está acontecendo dentro de sua cabeça, mas por que é que isto deveria significar que não é verdadeiro?" – Respondeu. Se tivesse dito "É preciso muita audácia para enfrentar nossos inimigos, mas igual audácia para defendermos os nossos amigos", o homem do outro lado entenderia que ele não ficaria para a reunião semanal. Mas a frase dita foi outra. Frases de grandes livros que mudavam a cada semana, essas eram suas senhas.

– Por favor, entre – disse ao abrir a porta.

Leonardo entrou. O homem que o recebeu era alto e forte, tinha uma grande barriga de chope, nariz grande e largo e uma expressão nervosa. Era um senhor negro e forte, parecia não querer amigos, mas era o mais amigável de todos ali. Leonardo adorava o homem e passava horas debatendo livros com ele. Seu nome era Geraldo.

– Obrigado – respondeu. – Espero não estar atrasado.

– Que nada! – Abriu um largo sorriso e deu tapinhas nas costas de Leonardo. – Não começaríamos sem você, você sabe – e piscou. – Mas venha, vamos. Os outros estão esperando ansiosos.

Andaram até uma sala onde uma dúzia de homens e mulheres estavam sentados em cadeiras brancas de metal, conversando entre si e esperando. Apenas esperando. Havia um púlpito vazio, que havia sido jogado fora por uma igreja evangélica e então recolhido pelo grupo. Todos pararam de conversar e se viraram para a dupla que chegara, felizes por verem Leonardo ali. Ele sempre ficava nervoso quando chegava essa hora, todas as vezes.

– Estava na hora – uma mulher exultou.

– Estávamos esperando! – Um homem no fundo disse.

– Dê a eles o que querem – Geraldo disse, indicando o púlpito e indo se sentar em seu lugar de costume, uma cadeira na primeira fileira.

Leonardo tomou seu lugar, de frente para todos ali. Bem na sua frente ficava uma mulher de cabelos castanhos na altura dos ombros. Ela era muito bonita, seu nome era Talita. Estava rolando alguma coisa entre ela e Leonardo, mas ambos não sabiam definir muito bem o que. Eles apenas se deixavam levar, um namoro sem rótulos.

– Oi, gente – ele disse. Após ser respondido, continuou: – Hoje eu consegui A Máquina do Tempo, de H. G. Wells. Após a leitura, vamos tirar frases daqui para formarmos as senhas da semana que vem, certo?

Todos concordaram. Então ele abriu sua mochila, retirou com todo cuidado o livro, já bem velho e com as pontas gastas e páginas amareladas, abriu em cima do púlpito e começou sua leitura.

Livre para ser você e euOnde histórias criam vida. Descubra agora