Na Volta do Rio
A "seu" Raimundo, de Nova Viçosa, que me contou a história.
Havia algumas casas antigas ladeando a estrada depois da ponte, na saída da cidade. Casas pequenas, de telhas de barro, sujas, algumas de pesadas janelas de madeira lavrada a machado, nas quais se podiam ver as irregularidades deixadas pelas lâminas das ferramentas. Em algumas das casas o reboco caíra e se podia ver que tinham sido construídas de pau-a-pique. Lá estavam os bambus trançados, amarrados com cipó, as marcas de dedos humanos que tinham esticado o barro nas paredes, e as varetas de madeira. Contudo, eram casas resistentes. A cidade era velha, as casas eram velhas, mas ambas estavam de pé.
Nas ruas centrais da cidade, havia as mansões de estilo muito antigo das famílias que já tinham morado ali e já tinham se mandado havia muito tempo. Casarões cheios de colunas bordadas, de telhados pontudos e cobertos de musgos, paredes grossas e altas. Sob as cumeeiras dos telhados, pombas saídas não se sabia de onde faziam ninhos, arrulhavam o dia inteiro e sujavam as ruas com penas e merda. À noite, era triste passar pelas ruas e ver aquelas construções. Estavam abandonadas! Antigas, mas tão belas! E vazias. Os herdeiros não se interessavam em morar nelas, porque não tinham o que fazer na cidade. Tinham estudado fora, tinham se formado em outra cidade, em cidade grande, tinham constituído família e estabelecido outros tipos de relações sociais. Eram amigos de pessoas importantes, doutores, advogados, médicos, políticos. Às vezes, os moradores da cidade iam para as portas dos botecos aos domingos, antes e após a missa da manhã, e ficavam vendo os fazendeiros das redondezas chegando com as famílias. Quase todos viam de charretes, alguns a cavalo, uns poucos de carro caindo aos pedaços, que eles de fazendeiros só tinham a empáfia, as terras quase improdutivas, os empréstimos bancários que muitos nem sabiam se e quando poderiam pagar.
Não estavam com nada, mas se achavam os homens importantes do lugar. Discutiam em voz alta, batiam o pé pelos seus pontos de vista, e falavam nomes de gerentes de bancos, de deputados, como se fossem realmente íntimos dos sujeitos.
Algumas pessoas olhavam para eles e riam. Faziam troça.
Mas a situação era preocupante: se os ricos eram assim e, se os ricos eram quem puxavam a economia do lugar, para onde iria a cidade? Onde o povo do lugarejo ia chegar?
Quando chovia e a cerração cobria a cidade, as coisas se complicavam. O vale, que alguns debochados chamavam de Vale de Lágrimas, desaparecia dentro da espuma e nada se via diante do nariz. E a cidade ficava mais triste e ainda mais fria. Dava medo.
As pessoas faziam fofoca, também, lógico! Falavam muito da vida dos outros, porque nada havia pra ser feito na cidade, sobrando muito tempo disponível pra todos.
Quando havia sol - e a região era muito ensolarada - as pessoas se sentavam nos bancos da praça e falavam dos outros habitantes do lugar. De tempos a tempos, alguém era tomado por Cristo e virava notícia.
A cidade era pequena, parecia prestes a desaparecer. Os mais novos iam de partida logo que mudavam de voz, as moças casadouras desapareciam com os poucos forasteiros que punham os pés nas ruas poeirentas do lugar Algumas iam embora de raiva, sozinhas, sem se importar a mínima com as famílias. Apenas ficavam os velhos, as velhas e os botinudos. Estes eram os nada que trabalhavam nas roças. Puxavam o cabo da enxada nas fazendas decadentes das redondezas. E bebiam e brigavam muito.
Em outros tempos passava um trem nos trilhos que agora o mato encobria. Depois o guarda-chaves se aposentara, a estação diminuta fora fechada e mais nada de trem. Nem de carga nem de passageiros. Vez ou outra era dito que a estrada de ferro seria reativada, mas tudo parecia só conversa. Havia pouco tempo que tratores tinham cortado a estrada bem ao lado da cidade.--- asfalto! - alguém afirmou - Em época de eleição os políticos arranjam asfalto até para o capeta, em busca de votos! Mas as máquinas tinham desaparecido, a estrada ficou apenas na terra revolta, dando muito barro em época de chuva e muita poeira em época de seca.
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NA VOLTA DO RIO
Short StoryConto ocorrido em Porto Firme, Minas Gerais, uma história real, resolvida com violência.