Onde estará o meu amor?

289 33 81
                                    

Dizem que as luzes da cidade ofuscam o brilho das estrelas.

Raiane precisava concordar que ela não via muitas delas no céu naquela madrugada, tampouco sentia que sua vida estava particularmente brilhante. A lua cheia, por outro lado, aparecia majestosa por entre os prédios e desenvolvia com ela um diálogo silencioso.

Seu nome significava "raio de sol", talvez por isso não gostasse muito das noites como aquela. Elas sempre a deixavam pensativa e cheia de perguntas que pairavam sem resposta feito nuvens de chuva.

Onde ele estaria naquele exato momento? Estaria dormindo? Sofrendo de insônia ou voltando de uma festa com amigos? "Ele" existia em sua mente apenas como uma ideia. Não conhecia seu nome ou seu rosto, mas acreditava com todas as suas forças que, entre os bilhões espalhados pelo mundo, havia um homem que lhe fosse perfeitamente compatível, ela só precisava encontrá-lo.

Suas duas amigas estavam indiferentes ao seu estado melancólico e caminhavam devagar, tentando se equilibrar sobre saltos de quinze centímetros, enquanto discutiam assuntos sem importância e explodiam em gargalhadas escandalosas.

Raiane sofria de uma gastrite severa que a privava do consumo de álcool, fazendo dela a única que aparentava não ter senso de humor.

Não tinha acontecido nada de errado na festa, mas ela não via a hora de partir. Foram muitos rostos, muitos sorrisos, algumas conversas, mas nada significativo. Suas amigas diziam que ela era exigente, pouco realista e dramática devido aos livros que lia. Ela discordava, veementemente, que seu trabalho como tradutora especializada em romances de época poderia lhe causar qualquer efeito negativo.

Ela fechou a jaqueta até o pescoço, cruzou os braços e observou uma de suas amigas parar bruscamente e correr em direção ao meio-fio. Aquela cena não era novidade, então enquanto uma limpava o estômago e a outra oferecia apoio, Raiane voltou a observar o céu.

Luan era D.J. e isto significava que, quando o dia de serviço da maioria das pessoas estava prestes a começar, o seu estava acabando. Ele atravessou a porta giratória do bar e se encolheu ao entrar em contato com o clima externo. Notou um grupo de bêbadas a sua direita sem dar muita atenção e começou a caminhar depressa no sentido oposto. Contudo, antes de descer as escadas que o levariam às profundezas da estação de metrô, reparou no tamanho da lua. Ela parecia lhe observar através da floresta de construções gigantescas que faziam a avenida ganhar um ar opressor para alguém desacostumado. Tinha tido uma ótima noite, seu público estava animado, o sistema de som estava perfeito e ele tinha até coletado alguns números de telefone para os quais poderia, ou não, ligar mais tarde. Então por que tinha aquela sensação de insatisfação injustificável? Por que tinha a impressão de que algo não estava no lugar?

Depois de passar a catraca, Luan dividiu a plataforma com dois casais e um grupo de amigos barulhentos. O trem não demorou a despontar no túnel. Assim que as portas se abriram, ele entrou, sentou-se, tirou o celular do bolso e começou a procurar algo para se distrair.

Um amiga de Raiane havia se tornado um ser choramingante e precisou ser, praticamente, carregada pelo resto do caminho até a estação. Porém, as duas começaram a correr desesperadamente quando, do alto da escada rolante, avistaram o metrô na plataforma. Elas se lançaram para dentro do vagão segundos antes do fechamento das portas. Raiane continuou caminhando tranquilamente. Do seu ponto de vista, não valia a pena o risco de tropeçar, sair voando e acabar indo parar nos trilhos se o próximo trem chegaria vazio e em cerca de cinco minutos.

Através da janela, suas amigas deram de ombros e lhe mandaram beijos. Ela apenas acenou enquanto o trem ganhava velocidade e sumia dentro do túnel, deixando-a completamente sozinha.

Onde estará o meu amor?Onde histórias criam vida. Descubra agora