Chapter 1 - 23 de Dezembro de 2000

169 5 0
                                    

Os meus pés debatiam-se desconfortavelmente com a areia, provocando-me uma enorme dificuldade em caminhar. Os pequenos grãos, outrora macios e finos, eram dolorosos para a minha pele, bastante seca, e desenhavam nela pequenos cortes e arranhões (que ardiam demasiado) com toda a precisão e pormenor.

O par de chinelos que tinha na mão esquerda tornava-se difícil de agarrar, como se de um peso se tratasse, e o rabo-de-cavalo desajeitado, que pendia da minha cabeça, abanava livremente ao sabor do vento e dos meus supiros de cansaço. Eram facilmente observáveis umas nuances mais claras, quase brancas, no meio dos meus cabelos castanho-seco e escorridos, um tanto estragados e sem brilho, tal como a minha vida e até como os meus olhos azuis-céu. Um olhar vazio era tudo o que me restava, de todas as vivências que tive e nas quais, uma após outra, o brilho que dá sentido à vida se foi perdendo. 

Subi, então, lentamente, a grande escadaria de madeira, até que os meus pés caminhassem sobre as aguçadas pedras da calçada e peguei no pequeno saco que continha tudo aquilo que me pertencia. Continuei o meu caminho e sentei-me, para mais uma noite, entre um prédio, com um aspecto moderno e bonito, em frente à praia, e à beira da estrada, a que chamava casa.

O colchão improvisado com um grande pedaço de cartão, que em tempos fora um caixote, proveniente de um dos hipermercados da zona, encontrava-se por baixo do meu corpo frio, por sua vez coberto por uma manta velha. E com a mão na minha barriga, proferi um fraco "Boa noite, meu amor, amanhã será um dia melhor", como em todas as noitas tinha vindo a fazer, naqueles últimos 9 meses. E como sempre, as lágrimas, repletas de memórias, sentimentos e sofrimento, que quase sem explicação mareavam os meus olhos fechados, ameaçavam transbordar, para, livremente, percorrerem a minha face, branca como cal, devido à baixa temperatura, já habitual da época natalícia. Assim costumava adormecer e nesta noite não foi excepção, enquanto as famílias se reuniam em torno do fogo acolhedor das lareiras e das mesas, com grandes manjares requintados, para mais uma ceia de Natal, e a melodia reconfortante das ondas do mar me embalava em mais um de muitos sonos profundos.

Somewhere, SomehowOnde histórias criam vida. Descubra agora