O Encontro (Parte 1)

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O ar estava húmido. Na verdade, o Sol era quase invisível no meio das copas das árvores e isso tornava o ar junto ao chão mais frio do que devia ser. Os sons da Natureza eram abafados pelos passos lentos de um cavalo castanho e pelo som que era produzido pelo esmagamento das folhas aos pés do enorme animal. O rapaz que o montava largou as rédeas por um segundo para voltar a colocar a sua capa castanha, que lhe tinha começado a escorrer pelas costas, sobre os ombros e estremeceu ao sentir a sua mão fria, gelada na verdade, tocar no seu pescoço mesmo que levemente.

Mas de repente o seu veículo estremeceu e parou. Por uns meros segundos, o rapaz não percebeu o que se tinha passado até que reparou numa ave negra, que tinha pousado sobre um ramo baixo de uma árvore, e temeu o pior.

O cavalo ergueu-se sobre os dois membros traseiros, fazendo o rapaz escorregar do dorso do grande bicho e cair de rabo no chão. O animal começou a fugir a galope até desaparecer do campo de visão do jovem. Este levantou-se com muito esforço, pois embora tivesse saído quase ileso sentia algumas dores nas costas, passou a mão direita pelo seu cabelo preto de maneira a o tirar da frente da cara e piscou os olhos várias vezes, para deixar de se sentir atordoado.

A dura realidade não tardou a atingi-lo como um murro no estômago.

Não podia ir para casa. Não tinha maneira de encontrar o caminho de volta para os seus pais e irmãos sem o poderoso sentido de orientação do seu cavalo. Estava completamente perdido.

Olhou em volta para tentar arranjar um lugar para se sentar e acalmar, porque agitado como ele estava era difícil pensar direito. Acabou por se deixar cair sobre o tronco de uma árvore caída que lhe pareceu a única solução para esticar as pernas. As suas calças castanhas tinham nódoas verdes devido a ter caído por cima de algumas plantas e a sua camisa branca estava imunda e molhada. O rapaz tirou as botas para descansar os pés mas rapidamente as voltou a calçar porque ouviu um som no meio dos arbustos. Levantou-se de um salto e encostou-se ao tronco de uma árvore.

Dos arbustos saiu um javali que, pelo tamanho, não era apenas um javali mas sim um javali-troll. Paralisado pelo medo, o jovem nada conseguiu fazer a não ser ficar quieto como uma pedra.

O javali caminhou lentamente na sua direcção e, mais uma vez, o rapaz temeu o pior.

Encostou-se a uma árvore e só não se afastou mais porque o tronco lhe barrava o caminho. Entretanto, no meio do verde da floresta uma figura movia-se a grande velocidade e parou de repente ao avistar a cena.

-Malditos elfos. - murmurava o rapaz enquanto se encolhia de medo - Nunca mais faço o que um elfo me pedir.

Nesse mesmo momento uma seta saiu de detrás da árvore e passou mesmo rente à cara dele, não lhe acertando por pouco, mas atingindo o javali em cheio no olho esquerdo. Cego de um olho, que sangrava com rapidez, a fera contorceu-se e correu na direcção da árvore onde o rapaz se encontrava.

Do meio das árvores, ouviu-se um grito de guerra e uma rapariga saltou do seu esconderijo dando um mortal no ar e lançando outra seta na direcção do animal. Não havia que enganar, a seta acertou mesmo em cheio no peito do furioso javali que se arrastou pelo chão na tentativa de extrair a seta do seu corpo mas apenas conseguindo que se penetrasse mais no seu coração e segundos depois o animal morreu.

-Sabes, não devias falar mal dos elfos, muito menos quando estás numa floresta governada por eles. - disse a rapariga enquanto se aproximava do animal, se acocorava à beira dele e lhe espetava outra seta para ter a certeza de que estava mesmo morto.

Quando a rapariga levantou a cabeça e o olhou, o rapaz abriu a boca mas nada disse. O cabelo dela estava solto e era verde mas um verde que a tornava fácil de esconder no meio da floresta. Os seus olhos tinham uma forma amendoada e eram castanhos como o chocolate. A pele dela era clara mas as suas faces estavam rosadas devido à adrenalina que aquele momento libertara pelo seu corpo. Usava uma espécie de corpete feito de folhas e umas calças castanhas presas por um cinto de pele de javali onde tinha uma bolsa com setas. Setas iguais à que ela usara para matar o animal, aparentemente normais mas com uma pena de águia numa extremidade e um triângulo aguçado feito de um metal forte na outra. A rapariga calçava umas botas baixas também de pele de javali. O seu arco estava pendurado ao ombro. Parecia uma rapariga normal até que ele reparou nas orelhas dela. Eram pontiagudas e estavam parcialmente tapadas pelo cabelo dela.

-Desculpa. - exclamou o rapaz sem tirar os olhos da rapariga, o que a irritou.

-Estás a olhar para onde? Tenho alguma coisa na cara? - retorquiu irritada enquanto se levantava e examinava o rapaz que tinha salvo.

O cabelo dele era preto e os olhos eram de um castanho pouco mais escuro que o seu. Usava umas calças castanhas que tinham várias nódoas verdes e a sua camisa branca estava imunda. O rapaz tremia, talvez porque ainda se sentia atordoado com o susto que o maldito javali-troll lhe pregara. Era um miúdo baixo e magro embora com mais treino ele pudesse ficar muito melhor, mas não era feio de todo. Ela aproximou-se dele e estendeu-lhe a mão.

-Chamo-me Skayla. - apresentou-se ela com um leve sorriso nos lábios.

Ele apertou-lhe a mão e retribuiu o sorriso.

-Sou o David. Muito prazer.

Skayla olhou para ele e largou-lhe a mão voltando a debruçar-se sobre o corpo morto do javali. Tirou as setas que disparara para o matar do corpo do animal e depois levantou-se, caminhou até ao tronco caído onde David estivera sentado antes da fera aparecer e sentou-se enquanto tirava um pequeno pano da bolsa das setas. Começou a limpar o sangue das setas com o pano, ignorando David que se sentou ao seu lado com os olhos colados ao animal.

-Aquilo de... bem, eu falei mal dos elfos mas não foi por mal. - explicou o rapaz quebrando o pesado silêncio que caíra sobre os dois.

-Eu não sou uma elfa. Pelo menos, não em parte. – exclamou Skayla em resposta, depois de guardar as setas limpas juntamente com as outras. David teve vontade de lhe perguntar por que razão ela dizia aquilo mas a sua atenção foi focada noutro sítio.

(Cont.)

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