Wattpad Infection

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"Ninguém é uma ilha, devemos tentar rodear-nos de pessoas à nossa volta. Assim evitamos estar sozinhos nos momentos difíceis e temos alguém com quem partilhar aventuras." Foi isto, uma espécie de ensinamento para a vida ou máxima, que me disseram talvez na esperança de que eu fosse igual a tantas jovens que vemos na rua ou na televisão.

Se os concelhos resultaram? Claro que não! Alguma vez eu ligava ao complexo mundo das pessoas com quem me cruzo, tão cheio de intrigas e desesperadamente enfadonho?

Vou explicar, cada um tem a sua vida e vive embrenhado nela. Desde a escola até as pessoas com quem convivemos. São vidas vazias e cinzentas e é com alívio que declaro que esse não é o meu caso. Eu já vivi milhares de vidas, já fui milhares de pessoas em locais inimagináveis. Basta tocar na capa de um livro e cheirá-lo para sentir borboletas na barriga, mas há uns tempos atualizei-me. Descobri que o Wattpad me permite ler o que quiser a qualquer momento e é muito mais moderno.

Sendo assim, estava um dia nas aulas com o telemóvel escondido na mochila a ler o último capítulo de uma história quando a voz do professor começou a desvanecer-se. Olhava à minha volta e tudo estava tingido de branco e laranja até que comecei a sentir que estava a cair e o ecrã do meu telemóvel sugava-me.

Já imaginaram como é o mundo digital? É o culminar de toda a criatividade e imensidão de novos mundos por descobrir num só sítio. Sentia a pele dormente e os olhos ofuscados pela luz à minha volta. Quando o impacto desta súbita aterragem passou pude ver o que acontecia à minha volta. Centenas de personagens a correr e a gritar:

-Alguém viu a minha história? É um romance cuja capa tem uma biblioteca!- e assim que viam o respetivo retângulo a brilhar saltavam para ele e desvaneciam-se.

Devo dizer que era um cenário caótico, era este o sítio onde me abstraio e encontro paz?

- Foge!- quando dei por mim tinha sido atirada para o chão.

- Que ideia foi essa de ....- puff, quem quer que me tenha empurrado tinha sido sugado por uma massa negra disforme. Era de facto aterrador, por isso comecei a correr o mais depressa que pude. Tendo em vista o meu modo de vida sedentário já estava ofegante e encharcada em suor quando saltei para a secção de Mistério.

Parecia que todas as personagens estavam reunidas num concilio.

- Temos de trancar as nossas histórias e impedir que qualquer leitor as leia- dizia um homem grisalho com ar de inspetor.

- Essa não é a solução. Então e as pessoas que apenas leem por gosto e não nos querem roubar? Não podemos mostrar medo.- replicou uma rapariga suja e com o cabelo desgrenhado que parecia saída do mato.

- Desculpem, alguém me pode dizer o que se está a passar?

A rapariga olhou-me de cima abaixo.

- És nova por aqui, certo?

- Sim, acabei de chegar. Que confusão é esta?- ela puxou-me para longe dos restantes.

- O Wattpad foi construído para que todos pudessem partilhar as suas ideias e histórias desde Fantasia a Romance. Até que chegaram Eles...

- Quem são Eles?

- No início ninguém reparou, duas histórias parecidas por vezes surgem, mas quando apareceram livros duplicados da secção Fantasia percebemos que o problema era grave. O vírus espalhou-se por todas as secções e se formos engolidos somos duplicados e perdemos a nossa identidade. Não sabemos o que fazer, Eles são demasiados e são poucos os sítios que ainda não foram infetados, há quem queira trancar as histórias e impedir qualquer um de entrar, mas assim ninguém as poderá ler e o Wattpad será fechado.

- Todas as personagens devem dirigir-se para as suas histórias, estas serão trancadas dentro de uma hora.

- Depressa enquanto temos tempo.- ela puxou-me e saltámos para a secção de Humor. Nela encontravam-se mais personagens, mas desta vez pareciam estar a armar-se e a preparar-se para algo. A rapariga tornou a explicar:

- Esta é a Resistência. Somos um grupo de personagens que recusa a deixar-se vencer. Precisávamos de mais tempo para nos preparar contudo com esta ordem para trancar as histórias temos de entrar em ação depressa. Pega numa daquelas armas rápido, o tempo esgota-se.

- Espera, o quê? Achas que eu sou uma heroína? Ah! Vieram bater à porta errada, eu fico aqui a torcer por vocês enquanto os enfrentam.- sugeri.

- Noutra situação dispensávamos-te, todavia estas são circunstâncias extraordinárias. Agora segue-me.

No que é que me vim meter? Combater um vírus? Uma coisa é ler estas aventuras mas saltar para dentro delas é algo completamente diferente. Por outro lado, esta também era a minha luta. Se trancassem as histórias tudo que eu conhecia acabava e eu não ia deixar isso acontecer. Quem quer que estivesse a copiar e a roubar as histórias ia ter o seu fim.

Quando chegámos à página inicial já só algumas personagens não tinham encontrado a sua história.

- Pega.- disse a rapariga enquanto me passava uma arma.- Aponta e dispara contra as massas negras e tenta proteger aqueles que ainda não chegaram ao seu destino. Escusado será dizer para não te deixares apanhar.- ahah pois como se fosse assim tão simples.

No momento em que olhei em redor vi inúmeras massas negras a virem na minha direção, comecei a correr pela minha vida mas foi então que percebi que o que tinha a fazer era eliminá-los. Assim apontei a arma para vários deles e disparei. Acabei por descobrir que a minha pontaria não era má de todo e que conseguia esquivar-me rapidamente Deles graças à adrenalina. Além do mais consegui devolver algumas personagens às suas histórias. Realmente, tínhamos quase vencido quando parei um momento para olhar à minha volta e ver a destruição do nosso inimigo.

- Corre!- ouvi alguém gritar mas não foi a tempo. Senti-me a ser sugada pelas minhas costas e uma imensidão de negro preencheu tudo à minha volta. Estava a ser absorvida por um Deles mesmo depois do meu esforço.

- Madalena... Madalena!- a voz de alguém tornava-se mais audível.

Fui acordando aos poucos e deparei-me na sala de aula, sem personagens nem vírus para combater.

- A menina vai levar uma falta disciplinar! Não basta estar no telemóvel também adormece.- Gritava o professor.

Teria a minha mãe razão e eu fosse viciada no Wattpad ao ponto de sair da realidade? Pelo menos uma coisa aprendi, é melhor viver as aventuras na nossa pele do que as ter presas na nossa cabeça.

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