Capitulo Único

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Toquei no espelho. Era duro e frio. Um frio que alcançou o meu coração e bombeou seu vento gélido pelas minhas artérias. Observei o reflexo. Um homem me encarava do outro lado e achei engraçado aquilo, pois eu era uma mulher.

Ele se barbeava. Pude olhar que era noite, por uma janela atrás dele. Era bonito, e não me surpreenderia se fosse modelo de capa de revista. Passava a lâmina pela bochecha ensaboada, e parecia me fitar nos olhos. Mas sabia ser impossível.

Como sabia disso?

Ele não estava apavorado. Seus olhos continuavam serenos e contemplativos. Vez ou outra o verde dos seus olhos se perdiam em pensamentos e seus movimentos tornavam-se mais vagarosos. Daí voltava ao presente e continuava a deslizar e aparar os pelos. Enfim ele terminou, baixou o rosto e o lavou.

Esse era o meu momento preferido. Quando ele levantaria os olhos e encontraria a minha face no espelho. Como era doce o medo. Tinha gosto de sangue agridoce na minha boca, manchando meus dentes e o céu da minha boca. Sorri em meu íntimo enquanto ele levantava a cabeça.

Bem, era o momento.

Assim que ele esbugalhou os olhos e soltou um grito que faria qualquer homem inteligente disparar feito uma flecha, minhas mãos atravessaram o espelho e se agarraram na sua garganta. Ele se debateu. As mãos batendo dramáticas na pia, no espelho, na torneira; os pés querendo recuar, o corpo tenso e ainda úmido do banho. Mas era impossível qualquer valentia ou força. Meus dedos se fecharam no pescoço do homem como tenazes, e os trouxeram até mim puxando-o com vigor, como fazia com meu cachorro Flopy quando era viva.

Ele atravessou o espelho.

Deixei-o caído no chão diante de mim. Olhou ao redor, massageando a garganta com as duas mãos com a impressão de que minhas digitais tivessem-no marcado eternamente. Não poderia julgá-lo pelo grito horrendo que saiu da sua garganta. O que nos rodeava era realmente monstruoso. Era realmente algo que nenhum ser humano conseguiria suportar.

Peguei uma de suas pernas e sai arrastando-o por uma estrada barrenta e suja de sangue coagulado.

Era o fim de mais um dia sabático.


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⏰ Última atualização: Jun 16, 2016 ⏰

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