Os vidros embaçados não permitiam que eu enxergasse onde estava. Tentava em vão olhar para fora e reconhecer os prédios, até que consegui identificar o imponente hotel ao longe. Rapidamente puxei a corda para o motorista parar e fui abrindo caminho entre os passageiros. Desci do ônibus debaixo de uma chuva torrencial. Atravessei a rua correndo e entrei no hotel. Passei pela entrada de serviço e fui imediatamente trocar de roupa no vestiário. Encontrei Marta e Cíntia, camareiras como eu, já uniformizadas e saindo em direção à cozinha.
– Atrasada de novo! Não sei não, senhorita Carmem... Assim não vai durar muito. O senhor Joaquim é muito exigente, principalmente quanto aos horários. Já esteve aqui duas vezes perguntando por você.
– Você não dá folga, Marta... Dá um tempo para ela – falou Cíntia, antes que eu pudesse me justificar de forma rápida e contrariada:
– Droga! Dona Marta, perdi o ônibus... Não foi culpa minha e, além do mais... – Não terminei a frase, pois a parte "a senhora não tem nada com isso" ficou engasgada quando o senhor Joaquim, um dos subgerentes do hotel, interrompeu de forma imponente:
– Ah! Muito bem... Chegou, senhorita? Qual a desculpa desta vez? Convença-me!
Mudei o tom e o olhar, precisava daquele emprego.
– Desculpe-me, senhor... Perdi o ônibus e, com essa chuva e o congestionamento, não consegui chegar. Por favor...
Meu olhar e minhas palavras foram de súplica:
– Eu não posso perder esse emprego e...
Meus olhos ficaram úmidos e, antes que eu terminasse a frase, ele interrompeu sem paciência:
– Está certo, está certo... Também precisamos de você, o hotel está lotado. Mas que seja a última vez! – Saiu batendo a porta.
Apesar de demonstrar uma autoridade exagerada, era compreensivo. Já havia mostrado isso em outras situações.
***
Em uma das suítes no décimo andar, Andréa abriu as cortinas que davam acesso à ampla varanda, com uma das vistas mais lindas da cidade de Florianópolis. Sentiu a brisa do mar em seu rosto e uma alegria imensa a invadiu. Nem a chuva poderia apagar o brilho daquele dia.
Estava de volta à cidade que amava. Fora nela que passara e vivera grande parte dos melhores momentos da vida... Estudou, fez amigos, encontrou Fernanda, seu primeiro amor... Depois vieram outros e outros e mais outros, pois sempre acreditou em amores eternos enquanto duram. Um suspiro e um sorriso a trouxeram de volta ao quarto onde, na cama, uma linda loura bronzeada a olhava sonolenta.
– Bom dia... Senhora Andréa, já está de pé? Cansou de mim? – zombou.
– Não... Quero dar uma volta na cidade, combinei com Paula – respondeu carinhosamente para a mulher que a provocava deslizando o lençol no corpo e reclamava por mais atenção de forma rouca e sensual:
– Paula? Terá tempo pra ela... Desde que chegou vocês não se desgrudam... É cedo... A Paula espera, vem aqui...
Andréa olhou para ela sorrindo, com a certeza que não devia e tampouco iria resistir:
– Vou... Mas antes vou pedir um café, espera? Assim como está...
– Não vou a lugar algum.
***
– Senhorita Carmem, por favor, leve o café da manhã na suíte da senhora Andréa Alcântara... Ela solicitou que seja servido na varanda. Você pode entrar, servir e sair, entendeu?
– Claro, senhor Joaquim... Estou indo – respondi e me dirigi, rapidamente, à cozinha.
Parei na porta da suíte e a abri devagar, não queria perturbá-la caso estivesse dormindo. Entrei sem fazer barulho e empurrei o carrinho até a varanda. Coloquei-o próximo à mesa e, aos poucos, fui organizando o farto café da manhã. Dirigi-me à porta... Mas algo me deteve.
Ouvi sussurros e vozes vindos do quarto, a porta estava apenas encostada. Tive a clara impressão de ouvir mulheres... Gemidos.
Não devia ter feito isso, mas foi mais forte que eu. Fui me aproximando, minha razão me mandava sair imediatamente dali, mas alguma força maior me fazia caminhar em direção àquela porta.
Olhei através do pequeno espaço aberto e vi o enorme espelho na parede. Refletido nele, a cena mais linda que meus olhos já viram.
Senti um arrepio percorrer minhas costas, a excitação imediatamente tomou meu corpo, minhas mãos, minha nuca... Fiquei imóvel, não sei por quanto tempo. Saí do transe no momento em que elas se afastavam uma da outra, exaustas. Dei um passo para trás, depois outro e outro... Até chegar à porta, abri e saí. Esqueci o carrinho...
Durante aquele dia, não consegui tirar a cena de minha mente. Nunca imaginei que ficaria tão... Excitada? Vendo duas mulheres na cama. Lindas... A loura, de cabelos compridos, sobre a outra. Cavalgando, esfregando-se de forma sedutora. A morena segurando-a pela cintura, dando ritmo ao movimento, trazendo-a para si... Depois, ela tomou um dos seios com os lábios e continuou a puxá-la mais para si. Penetrou-a. Os movimentos se intensificaram até que as duas...
"Como vou esquecer isso? Nunca!", pensava durante o trajeto para casa, no ônibus. Qual delas será Andréa?
Em casa, me deparei com minha realidade. Henrique dormindo embriagado e a casa em estado deplorável: a pia cheia de louças, garrafas vazias na mesa, no chão. Não aguentava mais aquela situação, precisava resolver isso o mais rápido possível.
Fazia muito tempo que o amor que eu um dia senti por ele se transformara em outra coisa. Todo o romantismo, a paixão, as promessas... Tudo aquilo que um dia sonhei em viver ao lado dele havia ficado pelo caminho. Vivíamos juntos havia cinco anos e, nos últimos dois, tive que conviver com traficantes, bêbados, viciados, bandidos e ainda aguentar suas agressões.
Tinha que dar um basta! E esse emprego seria a salvação, logo teria condições de ir embora.
Estava trabalhando no hotel havia quatro meses. Depois de passar por diversas lojas e empregos temporários, tinha conseguido algo razoavelmente melhor... O salário não era ruim e gostava do trabalho, embora fosse cansativo.
Até os dezoito anos, vivi em um orfanato. Meus pais morreram quando eu ainda era criança. Depois, morei durante um ano com uma senhora idosa. Eu prestava serviços de acompanhante e cuidava da casa.
Nessa época, conheci Henrique, cheio de planos e promessas... Apaixonei-me e decidimos morar juntos. Foi meu primeiro namorado.
Estava agora com vinte e quatro anos, e então percebi que minha vida não tinha sentido, já tinha dedicado muito tempo àquela relação vazia.
Olhei para ele, para a casa... Suspirei.
Resolvi tomar um banho e ir para a cama... Deixei para arrumar e limpar a casa no outro dia, pois seria minha folga semanal. Fui deitar me lembrando daquelas imagens que havia presenciado. Meus pensamentos reproduziram em detalhes aquela cena inusitada e logo adormeci.
Esta história foi publicada em 2016 pela Editora Vira Letra. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, adaptação, disponibilização para download, impressão, cópia ou postagem deste texto em qualquer local, no todo ou em parte, através de quaisquer meios, sem a autorização da autora por escrito.
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A Camareira de Wind Rose
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