Aquela tarde de outono estava completamente ensolarada até o instante em que estacionei minha Kombi em frente à mansão Van Der Billis. Nesse momento, o céu azul desapareceu atrás de uma pilha de nuvens negras pulsando raios e trovões surdos. Aquela vasta propriedade no bairro do Jardim Europa parecia um dínamo de maus fluídos.
Meus cabelos (penteados com Gumex) estavam completamente arrepiados por baixo do chapéu (Borsalino, estilo fedora, cor gelo). Levantei ainda mais a gola da gabardine (modelo Rodney, gelo). Mesmo assim o vento frio de agosto soprou na minha nuca, soltando chispas nervosas espinha abaixo.
Eu estava na rua Rússia. Um dos pontos mais luxuosos num dos bairros mais endinheirados de São Paulo. Meu novo cliente era gente de muita gaita. Mas nem todo dinheiro do mundo conseguiria fazer a grama crescer no jardim dos Van Der Billis. Tufos de mato ressecado e galhos retorcidos só acentuavam o clima soturno e agourento do palacete. Ali, o sol parecia jamais haver brilhado.
Toquei a campainha no portão principal. Um vulto magro se aproximou, arrastando a perna esquerda e me olhando muito desconfiado. Descobri depois que seu nome era Antunes. Senti de longe o cheiro de adubo no imundo macacão do jardineiro. Na sua mão direita um tesourão balançava ao longo do corpo, esbarrando nas calças largas sujas de lama. Sua voz era gutural e hostil. A cabeleira lisa e desgrenhada caía sobre seu rosto cadavérico, marcado por profundas olheiras. Agitei minha licença de longe.
- Meu nome é Eurípedes Castro. Sou detetive particular. O senhor Van Der Billis encomendou meus serviços há noventa minutos. Você deve estar sabendo dos roubos das joias.
O soturno jardineiro vacilou um instante, me olhando cheio de desconfiança. Mas entre um grunhido e outro acabou abrindo o portão.
- Meu patrão espera você.
Entrei e o espantalho fechou o portão com um rangido atrás de mim. Virou as costas (corcundas) e sumiu entre as árvores secas. Segui pela alameda principal. No meio do caminho, parei para acender um Chesterfield. Quando escolhia o melhor ângulo para que o vento não apagasse a chama do isqueiro (Zippo Classic), um brilho sobre a grama chamou minha atenção.
Dei meia dúzia de passos na direção do clarão e me agachei na relva. Eu estava há menos de um minuto naquela residência e já tinha achado minha primeira evidência.
O brilho vinha de um pequeno pingente de diamante. Ele estava preso a uma correntinha de prata. Apanhei a joia com a ponta da minha lapiseira (Cross). Coloquei o diamante num saquinho de plástico e o selei.
- Pelo que vejo, detetive Castro, o senhor nem entrou em casa e já começou a trabalhar. Deveras...
Olhei na direção da voz aveludada e cheia de controle. O magrelo senhor Henrique Van Der Billis me fitava do alto de seu metro e oitenta e cinco, fumando cachimbo na alameda do jardim. Somente o valor do seu relógio de pulso (Patek Philippe) devia somar todos meus rendimentos do ano. Fui até ele e entreguei o diamante no saquinho plástico transparente. O ricaço fez uma rápida avaliação a olho nu.
- Diamante sul-africano com corrente de ouro 24 quilates. Última avaliação, 380 mil dólares – informou o esnobe Van Der Billis como se comentasse o preço da abobrinha na feira de sábado.
Com a mesma lapiseira Cross comecei a tomar notas no meu bloco sem pauta.
- Qual o total de joias roubadas?
- Vinte e três colares, catorze pares de brincos, vinte e nove broches, dezenove anéis... Bom, pelo menos foi o que apuramos no último levantamento.
Assobiei baixinho. Henrique Van Der Billis deu um suspiro enfadonho como se adivinhasse meu pensamento.
- Sim, detetive. Minha esposa é deveras vaidosa.
- Quantas pessoas moram na casa?
- Moradores fixos somos eu, Marietta e minha filha única, Gabrielle. Temos também a serviçal Elizeth. E o jardineiro Antunes, que o senhor já deve ter tido o desprazer de conhecer. A entourage já foi bem maior. A maior parte da criadagem hoje dorme em suas próprias casas.
- Preciso interrogar todos vocês.
Um grande pingo caiu sobre meu nariz. Outro se enfiou pelo cachimbo do meu cliente.
- Acho melhor entrarmos, senhor Castro.... Parece que um temporal vai desabar.
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Escada Para o Paraíso
ActionO detetive Eurípedes Castro é contratado para investigar o roubo de joias na mansão Van Der Billis. Acaba se envolvendo numa mortal aventura que o leva a uma batalha final num templo secreto na cidade de Campos do Jordão. Castro mora no centro da ci...