Tic... Toc... Tic... Toc...
Tic... Toc... Tic... Toc...O som das engrenagens rangendo preenchia a minha mente vazia e ecoava pelos vãos entre os pequenos cubículos acinzentados. O relógio, branco e redondo, pendia da parede. Seus ponteiros negros pareciam mover-se de um modo particularmente vagaroso neste dia.
Por alguns segundos meus olhos permaneceram fixos nos ponteiros. Eu encarara o relógio como se ao encarar-lhe forçasse os ponteiros a acelerarem. Por falta de opção, acabo por retornar aos papéis que estavam despejados sobre a minha mesa. Lentamente, separo da pilha um grupo de folhas, eram petições referentes ao tribunal imobiliário. Elas foram selecionadas especialmente para mim, obviamente meu chefe ainda não havia superado o meu atraso na semana passada. Desde então, eu havia sido designado para trabalhar com os piores processos, era um modo mesquinho de punir-me, mas, por falta de opção, como sempre, acatei as suas ordens.
Meu cubículo era totalmente despersonalizado, as paredes lisas eram do mesmo cinza metálico das de todos os outros, não haviam fotos coladas nas paredes internas nem nada do tipo, uma única folha pendia da parede, um quadro de avisos improvisado, nela constava as coisas que eu tinha que fazer naquele dia.
Além da folha, só havia um objeto que identificava aquele como o meu local de trabalho, ao lado do teclado havia um desenho velho, a folha já havia amarelado, era um autorretrato da minha falecida irmã, uma pessoa magnífica que, infelizmente, morreu do modo mais pitoresco possível, uma queda de cavalo deixou seus 22 anos de sonhos e planos, estudos e práticas, espalhados pelo chão e cobertos de sangue. Mas isso não mais me afligia, desde jovem eu sabia que a Morte era a única companheira constante da Vida. Somos todos engrenagens deste grande relógio que é a vida.Passaram-se algumas horas, era finalmente noite e meu expediente havia acabado, saí do escritório com passos mecânicos, era só mais um dia normal, no estacionamento do escritório entrei no meu sedan de segunda linha e depois de umas duas tentativas liguei o motor, eu odiava o fato de nos dias frios o motor dar trabalho para ligar. Ligo a rádio, nada me atrai, deixo sintonizado no noticiário das sete. Quando finalmente estou na rua, acendo um Davidoff, o único luxo que eu me permitia, tomo um trago longo e baixo a janela do carro, deixando minha mão com o cigarro do lado de fora, estava bem frio, mas eu não podia desperdiçar gasolina com o aquecedor, não hoje.
Dirigi com cuidado por entre as ruas congestionadas, quando finalmente cheguei em casa desci do carro o desligando e adentrei o imóvel, deixei o paletó em um cabide na sala e fui até a cozinha. Apesar de não sentir fome, peguei uma porção de lasanha já pronta no freezer e joguei no micro-ondas, 15 minutos depois o aparelho apita e eu o abro retirando meu jantar, espero alguns segundos, para esfriar um pouco, e começo a comer metodicamente, na vasilha mesmo, quando termino jogo o resto no lixo e vou para o meu quarto. O meu quarto era pequeno, mas tinha uma cama de casal, na qual eu prontamente me deitei, uma cômoda de madeira e uma televisão de tamanho médio, abaixo da qual estava um Xbox usado. Já deitado, acendi um cigarro e comecei a fumar pensativo.
Passam-se as horas e com elas se vão as carteiras. 5? 7? Não lembro mais quantas fumei ao longo dessa noite, o sabor amargo e adstringente da fumaça branca me tirava dali, então eu consumia as cartelas desesperadamente. Eu era um viciado, um homem trôpego que precisa se sentir amado e bem, o cigarro amortecia, amortecia a dor e a necessidade. Adormeço
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O Vazio da Máquina
Non-FictionObra de não-ficção sobre o tédio e insignificância, talvez uma espécie de protesto poético e idiota contra o meu tédio e insignificância. Contém divagações sobre a natureza humana, a vida e outros temas não tão banais.