Parte I

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bergamota.


Significado: Bergamota, também conhecida como tangerina ou mexerica, é uma fruta cítrica de cor alaranjada e sabor adocicado, originária da Ásia. É cientificamente conhecida como Citrus reticulata, sendo a denominação bergamota proveniente da região sul do Brasil, principalmente Santa Catarina e Rio Grande do Sul. É muito cultivada no vale do rio Caí, sendo fruta símbolo da cidade de São Sebastião do Caí, no Rio Grande do Sul.



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Marina checou novamente a mala que havia posto debaixo da cama.

Depois, foi até cômoda que ficava isolada em um canto do quarto, quase como se não quisesse "socializar" com o resto da mobília do cômodo. Ali, abriu cuidadosamente a primeira gaveta, fazendo o mínimo de barulho. Entre as roupas amarrotadas e pares de meias perdidos, ela achou o que tanto procurava. Aquilo que seria o ticket de entrada para o paraíso.

A tão sonhada passagem de ônibus que a levaria ao Rio de Janeiro.

Não é que ela não gostasse de viver no Rio Grande do Sul.

Ela gostava do chimarrão e do constante clima frio.

Gostava de sair e ver as ruas cobertas pela camada fina de gelo derivada das geadas.

Gostava do bom e  velho churrasco gaúcho.

Mas às vezes, em meio ao grande campo de guerra que era sua mente, ela se sentia perdida. Era como se ela não pertencesse a este lugar. Era como se ela não tivesse um futuro aqui.

"Isso é só uma fase, coisa de adolescente.", vivia dizendo sua mãe.

"É como diz aquele ditado: mente vazia é oficina do diabo. Se você se concentrasse mais nos estudos, não se preocuparia em ficar pensando tanta besteira.", seu pai soltou em um dos jantares de família.


Marina sabia que não era só uma fase. Ela sabia que a vida lhe reservava coisas maiores para o futuro. Ela não queria ser só mais uma adolescente de dezessete anos, vivendo na monótona e pacata cidade São Sebastião do Caí. Ela queria ter uma vida interessantíssima.

Ela queria conhecer o mundo.

Realizar sonhos.

Experimentar outros sabores.

Conhecer pessoas.

Ver a neve.


Ela queria se sentir viva.


Marina continuou fitando o pedaço de papel que tinha em mãos. Aquela passagem tinha se tornado mais valiosa que o bilhete dourado que dava a oportunidade de conhecer a fábrica de doces do Willy Wonka.

— HEY MARINA, PRECISO DE UM FAVOR SEU! VENHA CÁ!

Marina assustou-se quando ouviu os gritos de sua mãe, chamando-lhe da cozinha. Guardou rapidamente a passagem por debaixo das roupas, e fechou a gaveta. Antes de sair do quarto, checou se não havia nenhum indício de seu crime. Ninguém poderia saber de sua fuga, não poderiam haver pistas.

— MARINA VEM LOGO AQUI GAROTA! QUER QUE EU VÁ BUSCÁ-LA AÍ NO QUARTO É? - sua mãe gritou mais uma vez.

Marina correu para cozinha, quase tropeçando em seus próprios pés. Ela não queria, de forma alguma, que sua mãe entrasse em seu quarto. Ela tinha que evitar correr esse risco.

— Oi mãe. - Marina falou de forma arrastada enquanto passava pelo vão da porta da cozinha.

— Pensei que tinha morrido dentro daquele lugar. Agora você só fica trancada naquele quarto fazendo sei lá o quê. - sua mãe resmungava enquanto andava pela cozinha, separando ingredientes para algum tipo de receita – Você precisa pegar um sol!

— Que sol mãe? Estamos no inverno, e está frio pra caramba lá fora. Por favor, me deixe hibernar que nem um urso, sim? - Marina sentou em um dos bancos da mesa, apoiando sua cabeça preguiçosamente em seu braço direito e estudando os ladrilhos coloridos da parede.

— Pare de preguiça! Você não faz nada, só estuda.

— Eu fico navegando na internet também. - Marina disse marotamente, se perguntando em qual momento o chinelo de sua mãe voaria na sua cara.

— Eu vou pedir pro seu pai checar o que você fica fazendo nesses sites. Só pode ser besteira. - sua mãe então, pegou o pote de biscoitos que ficava em cima da geladeira, e de lá tirou uma nota de vinte reais – Depois conversamos sobre isso, o que quero mesmo é que vá até a venda do seu tio Ferdinando e me traga dez bergamotas ponkan, ok?

— Ok. - Marina disse calmamente, pegando o dinheiro da mão de sua mãe e indo em direção ao seu quarto, para poder se arrumar.

— Ué, fácil assim? - sua mãe disse em um tom surpreso, com os olhos quase arregalados – Você normalmente teria esperneado, dizendo porque eu mesma não faço isso, ou porque não mando o Ferdinando vir entregar aqui.

— Estou bem disposta pra sair hoje. - mentiu Marina. O frio estava congelante lá fora e tudo o que ela mais queria era ficar debaixo das cobertas. O inverno do Rio Grande do Sul era realmente rigoroso, batendo quase de frente com as planícies congelantes do Polo Norte. Bem, talvez ela estivesse exagerando, mas a verdade é que ela se sentia como um pinguim.

— O que está aprontando Nina? - sua mãe perguntou desconfiada.

— Não é nada. Agora deixe eu ir me arrumar antes que desiste de fazer o que você pediu. - Marina saiu correndo para seu quarto, e lá se trancou.

O que custava ajudar a mãe nesses últimos em que estariam juntas, não é?

Só mais sete dias, e ela estaria longe de sua mãe. Sem seus berros e sermões. Sem seus abraços e carinhos.

Longe de sua casa.

Céus! Ela estava ficando emocional demais, era melhor se apressar. Ela tinha algo a fazer.

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