Escrever Sem Fiasco

Depois que me cadastrei no Wattpad, visando a divulgar meus contos, um segmento literário que decidi enveredar recentemente, passei também a ver um pouco do que os outros cadastrados produzem nesta plataforma, especificamente nas "Short Stories"

Fiquei impressionado com o número de pessoas jovens que optam por escrever e isso é muito bom, mas, ao mesmo tempo, espantou-me o despreparo de algumas dessas pessoas que, aparentemente, consideram ser apenas suficiente ter-se uma ideia, um roteiro e despejar tudo no papel sem um mínimo de aderência a regras. E curioso e mais surpreendente, é o apoio de seus amigos ou iguais, que fazem vista grossa para verdadeiros ataques ao vernáculo. Isso não vai ajudar em nada.

Em um primeiro momento, ocorreu-me aconselhar um ou outro cujos textos mais me chocaram, seja por mensagem privada, seja através de uma notificação. Mas achei que isso poderia ser mal interpretado, pois nem todo mundo tem a compreensão de que são com os erros que crescemos e, em vista disso, não se mostram abertos a críticas, mesmo que construtivas e do bem.

Assim, resolvi escrever esse singelo roteiro de pesquisa, que você, leitor interessado em escrever, vai ter que se esforçar para garimpar o que está por trás disso, na sua busca por uma escrita melhor. É evidente, que não esgota o assunto, são apenas quinze (15) dicas fundamentais ou alertas, para que a sua aventura de escrever para terceiros não seja um fiasco. Cada um desses alertas encerra desdobramentos que, com o tempo, você vai acabar encontrando sozinho.

Não se pode entrar no mundo da literatura, sem um mínimo de domínio do idioma em que se vai escrever. Essa simbologia exige o cumprimento de regras. A língua é um organismo vivo, ela evolui, mas não dentro de uma geração. Esta evolução é paulatina e incorporada na linguagem culta, pela academia e pelo uso continuado de grandes literatos. Portanto, não devemos, de uma hora para outra, utilizar a forma coloquial na linguagem culta e pior, transferir para a folha de papel de seu conto a codificação utilizada nas modernas mídias virtuais.

É, como o mestre Stephen King ensina. Você tem uma caixa de ferramentas para a sua escrita e as ferramentas principais, são o vocabulário e a gramática. Lógico, que não vamos aqui ensinar você a gramática. Isso você absorve com estudo e na prática, isto é, por conversação e leitura. O que você aprendeu no colégio são nomenclaturas, o caminho das pedras. A gramática se aprende no uso, ou não se aprende.

Não vou explicar detalhadamente cada ponto. Cada um deve ser trabalhado por você. Será tarefa sua pesquisar o aspecto indicado. Escrever exige esforço e dedicação. Então, vamos apenas apontar alguns aspectos importantes a serem observados, bem poucos, mas que se você os incorporar na sua bagagem, já terá dado um grande passo no mundo da literatura. Vamos a eles:

1. Não utilize expressões como fikei, naum, qe e muitas outras comuns nos SMSs e redes sociais, a não ser que represente a fala de um eventual personagem que, exatamente, busque ilustrar esta distorção dentro do enredo. Você nunca vai ser levado a sério com essas utilizações.

2. Dito isso, não preciso lembrar que a ortografia correta é fundamental em uma escrita séria. Lembre-se da caixa de ferramentas. Para isso, os corretores ortográficos ajudam muito e quando estes não forem suficientes, use a própria Internet, pois ela pode facilmente tirar dúvidas. O Google é um excelente tira-dúvidas de linguagem.

3. A concordância nominal e verbal é outro ponto esquecido pelos iniciantes. É muito comum encontrarmos esta distorção linguística até na vida politica, aliás, os políticos brasileiros são os grandes sequestradores de plurais de nossa sociedade. Não é muito difícil seguir as regras de concordância, basta ter atenção.

4. Estude, especificamente, sobre a concordância dos verbos haver e fazer. Haver no sentido de existir é invariável, assim como fazer quando exprime tempo.

5. Pesquise sobre as diferenças de Por que, porque e Por quê.

6. Pesquise as diferenças entre mau e mal e entre mais e mas.

7. Pesquise o uso diferenciado de aonde e onde. Lembre-se de que onde deve ser usado para local físico, portanto, é errado escrever-se: a entrevista onde o ministro comunicou sua saída. Deve se usar nesse caso: em que.

8. Pontuação. Vírgulas devem ser utilizadas. Pesquise sobre as quatro regras básicas de colocação de vírgula. Uma vírgula mal colocada pode mudar, inteiramente, o sentido desejado.

9. Regência. Pesquise a regência do verbo assistir e dos verbos de movimento como chegar.

10. Evite a utilização de pronomes átonos no início da frase, exemplo: Me lembro. Embora isso venha se tornando constante nos textos escritos em português no Brasil. Então, está se tornando mais uma questão de gosto.

11. Crase: uma regrinha básica - Não coloque crase antes de palavras do gênero masculino.

12. Evite exagerar no uso de advérbios. Aquelas palavras que terminam em "mente". Ao colocar um advérbio em seu texto, volte e analise a real necessidade dele estar lá, especialmente nos diálogos com verbos auxiliares dicendi. Aqueles que nos auxiliam nos diálogos, como o verbo dizer ou falar.

13. Não abuse da voz passiva. A voz passiva é aquela em que o sujeito sofre a ação. É preciso cuidado com o abuso da voz passiva analítica, feita com o verbo auxiliar (ser). Ela sobrecarrega o texto e tende a dificultar a leitura devido ao excesso de locuções verbais e à presença da ordem indireta (sujeito depois do verbo).

14. Redundâncias. Evite coisas do tipo: elo de ligação, viúva do falecido, ganhar grátis, habitat natural.

15. Procure pesquisar sobre as formas de narrativa. Entenda como funcionam os narradores na primeira e na terceira pessoa. Narrador subjetivo ou onisciente? Procure dominar os elementos narrativos: Personagem, Enredo, Narrador, Tempo e Espaço.

Para encerrar eu vou apresentar o que poderia ser a 16ª regra. Apenas não a numerei por achar que um roteiro de 15 regras fica bem melhor, além de ser uma ação pós criação. Mas ela é importantíssima. Trata-se da revisão. Reserve um bom tempo para a revisão de seu texto. King diz que você não trabalhou direito se não conseguir cortar 10% de seu trabalho.

Como você pode notar, isso não vai lhe transformar em um erudito na língua portuguesa, mas acredito que se você interessar por estes 15 aspectos vai, naturalmente, começar evoluir para as características semânticas e poéticas mais elaboradas do nosso idioma e melhorar sua produção escrita. 

Sobre um "upgrade" para além dessas dicas, você vai encontrar subsídios nas gramáticas e nos livros de escrita criativa. Quanto a esses livros, existe uma enorme opção de escolhas, mas dê preferência, se possível, porque não são muitos, a autores de língua portuguesa. Isto não quer dizer que os livros escritos por autores estrangeiros não serão úteis. Eles serão, mas você precisa estar ciente de que precisará fazer algumas adaptações nos capítulos referentes ao idioma propriamente dito. Um desses bons livros é o do Stephen King. O outro o de Francine Prose. Ambos possuem versões em português.

 O último passo será participar de uma Oficina Literária. Existem muitas online e algumas gratuitas.

Um escritor está em constante aprendizado até, quem sabe, chegar um dia no nível de um James Joyce e se permitir fazer um capítulo inteiro sem pontuação, que será estudado por todos como uma experiência metalinguística. Precisamos estar conscientes de que ser escritor não é, absolutamente, algo místico ou um um dom concedido a poucos, mas sim um trabalho de longo prazo, que exige entre outras coisas disciplina e leitura.

Mãos a obra, você tem tempo meu jovem.