Prelude

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O chilrear de um pequeno pássaro se ouvia pelos corredores do palácio. Um pedido de ajuda, um grito de terror vindo de uma pequena criaturinha. A menina sorria enquanto continuava a tentar partir seu bico com um dos seus sapatinhos de salto. E, enquanto o fazia, parecia desfrutar dos gritos de terror do pequeno animal ensanguentado na sua mão, cantando uma canção animada criada por si na sua mente doentia e demente.

"Dorme doce criança,

Deixa eu te ninar,

Mesmo que lhe seja dolorida,

A morte um dia vai chegar.

Olhe doce criança,

Quem veio lhe visitar,

São quem tanto lhe amava,

Mas hoje eu vou te levar."

- Vamos, meu pequeno...Mais um pouco e será como se a sua boca esquisita nunca tivesse existido...- Sussurrou com a sua voz infantil enquanto continuava a martelar o pássaro com o seu pequeno sapato rosa, agora um pouco mais ensanguentado.

- Minha filha Berenice...? - Uma das grandes portas do quarto do demónio foi aberta e um homem alto de barba e cabelos ruivos olhava lá para dentro com os seus olhos verdes expressando terror quando os pousou sobre o pequeno pássaro depenado que já não chilreava mas praticamente guinchava por ajuda.

- Papai? - Ela olhou para a porta com um sorriso enorme no rosto, sem parar de martelar o pequeno animal. - E o que o senhor disse sobre bater na porta sempre que quisesse entrar no quarto de uma dama para o seu Ari? Isso não se aplica ao senhor também?

A outra porta foi aberta e desta vez quem apareceu foi a figura de uma mulher alta de vestimentas longas e brancas com uma coroa na sua cabeça. Ao ver o que a pequena princesa estava fazendo, deu alguns passos para dentro do quarto, sendo atingida pela luz que vinha das janelas o que ajudara a perceber os traços angelicais do seus rosto, tal como o seu compridissimo cabelo marrom. Ao ver aquela mulher ali, Berenice se levantou, pois estava ajoelhada no chão debruçada sobre o pássaro, e se colocou virada de frente para a majestosa figura parecida com uma deusa ali de pé a olhando com um verde severo. Dando mais alguns passos na direção da criança, a rainha se ajoelhou para ficar da sua altura, retirando o sapato ensanguentado da sua pequena mão e o colocando no chão do seu lado delicadamente. Enquanto isso, pousava a sua outra mão sobre o ombro direito de Berenice que logo dirigiu o seu olhar para o chão, aparentemente se sentindo arrependida.

- Isso quer dizer que você sabe que o que fez foi terrivelmente errado? - A mulher falou com uma voz serena, como ela sempre tinha, colocando um dedo no queixo da garota e o erguendo.

- Sim, mamãe...-Murmurou, desviando o olhar para a grande cama que estava do lado delas.

- Venha. - A senhora se levantou e pegou na mão da filha, mas antes que desse um passo que fosse, se virou para a porta. - Vá. - Ordenou calmamente olhando para o seu marido, que logo assentiu e fechou as portas lentamente.

A rainha andou até as grandes portas envidraçadas da varanda do quarto da princesa e as abriu, deixando a luz do sol e o seu calor tocar ainda mais a pele de ambas. Berenice ficou parada junto das portas enquanto a sua mãe voltava para dentro e pegava no pássaro, que ao sentir o seu toque se acalmara.

- Venha, minha criança. - Ordenou, novamente, indo para a varanda enquanto Berenice a seguia.

A jovem e bela rainha colocou o pequeno pássaro sobre o muro branco da varanda e o acariciou o seu dorso até o animal mal tratado parar de respirar. Berenice, que estava um pouco mais atrás, se aproximou, olhando para o pássaro inanimado. Mas antes que pudesse dizer o que quer que fosse, uma multidão de pássaros começou a se aproximar. A rainha deu dois passos para trás e colocou a mão na cabeça da filha, indicando que ela fizesse o mesmo. O bando se aproximou do corpo morto da criatura e, em questão de segundos, o pássaro morto sumiu e os outros começaram a se afastar novamente.

- Eles...Eles comeram o meu brinquedo?

- Não, você não consegue ver daqui, mas o chefe do bando está carregando o seu irmão morto para fazerem o seu próprio velório e...- Ela se virou para a criança. - Um animal não é o seu brinquedo. Ele é um ser vivo, tal como eu, tal como você, tal como o papai e todos os animais e plantas que você consegue ver daqui. - Colocou uma mão na cabeça dela novamente e a conduziu até mais perto do muro, mostrando com a mão tudo o que estava à sua frente. - Isto é o seu reino, Berenice. O reino que um dia seu irmão irá reinar e que você um dia irá cuidar também, como eu faço. Cada criatura aqui e em todo o nosso mundo é sua amiga e você deve respeitar como se fosse sua irmã. Desde o seu irmão até aos animais pequeninos como as formigas, por exemplo. Esses animais têm vida e você não é um juiz, querida. Você não pode decidir quem deve morrer ou não. Você tem que deixar o ciclo da vida matar cada criatura no seu devido tempo e você não deve perturbar isso.

- Mas você matou ele. Não eu.

- Você o torturou e lhe causou sofrimento. A morte seria certa para ele, não teria como eu nem ninguém o salvar. - Continuou explicando com a sua voz serena. Eu o ajudei a ir em paz. Esperando que os deuses o acolham com carinho e pena. Você precisa me prometer, Berenice. - Ela se ajoelhou de novo, para ficar da altura dela. - Você precisa me prometer que vai parar de maltratar essas criaturas ou quem quer que seja. Você consegue me prometer isso, meu anjo?

- Eu...Eu prometo, mamãe.

A rainha abriu um doce sorriso.

- Confio em você, minha princesa.

Algumas lágrimas começaram a descer dos olhos verdes de Berenice, que abraçou a sua mãe, escondendo o rosto no se pescoço.

- Eu te amo, mamãe...

- Eu também te amo, princesa. - Ela acariciou os cabelos escuros da filha, tal como os seus. - Não se preocupe...Eu sempre vou estar aqui para proteger e ajudar você.

I'm not a fucking princessOnde histórias criam vida. Descubra agora