O BAILE DE MÁSCARAS

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Não, esta não serve. O vendedor se frustra. Estou em uma loja de máscaras, provando algumas possibilidades para um baile que se avizinha. Já tentara Saddam, Gandhi e políticos mal vistos. Nenhuma. Hitler foi descartado porque seria execração da ideologia. Papa Francisco também por não ser tão estóico. O coitado do vendedor já tentara caminhar por linhas do espaço e do tempo, mas nada me incentivara. Escondido no armário, surge um Chaplin. Até parecera simpático, agradável, amargurado e derrotado como minha personalidade. Serviu como uma luva, fosse seu uso pertinente às mãos. Para contribuir na predileção, a persona me obrigaria a um mutismo absoluto. Bem adequado à possibilidade de não usar minha voz estridente. Levaria. Levei. No caminho conjecturo sobre o sucesso que possibilitaria pelo reconhecimento unânime que a figura representava. Não precisaria de mim naquele momento.

Uma procissão de carros segue um fluxo de desapegos aos seus donos. É o abandono, o desvestir de peças que possam nos relembrar os que deixamos lá fora. Um mar de caras irreconhecíveis, de risos sarcásticos e ferinos. Thatcher me despreza com seu olhar gelado. Tentará reencontrar seu Reagan perdido em algum lugar. Neste ambiente enfumaçado, percebo que alguém já usufrui de algum sucesso precoce. Me aproximo, calmamente, e sou surpreendido pelo rosto familiar. Vocês poderiam exclamar que, em um baile de máscaras, todos, efetivamente todas as caras são familiares. Mas me surpreendo quando, rapidamente, após o olhar de relance ser substituído pelo mais aguçado, identifico a figura que nutria o espetáculo das luzes dirigidas: era eu. Sim, o eu mais autêntico que imaginara. Não estava sonhando. Era eu quem estava lá, estampado como rosto destacado, venerado por Cleópatra, Tibério, Sócrates, Napoleão, Kennedy, Churchill, Putin, Merkel, Obama e todas as outras personalidades presentes. Após a paralisação inicial, me aproximei e notei a perfeição do látex, da pele desgastada. Nada de anormal destacava meu rosto. Era eu, eu mesmo, o eterno anônimo que, neste baile desfrutava de um sucesso inimaginável. Confesso que experimentei, por um breve momento, a grande apoteose do estrelismo, da vitória, do poder que se destaca sob o manto da celebração. Mas havia uma angústia a ser resolvida. Era eu e este eu não estava lá, e sim, aqui. Alguma providência deveria ser tomada para acabar com a farsa montada. Eu já estava preparado para fugas de personalidades, para comportamentos que alterariam nosso próprio interior, mas aquilo era demais. Era o roubo do que deveria ser meu, de meu remoto ego, de minha alma trancada na gaiola dourada de minha mente. Eu jogava sorrisos ao vento, regozijado pelo momento vivido. Eu virara um petardo a ponto de explodir. Tentei arrancar o Chaplin que me estampava. Não conseguia. Tentei gritar, mas nenhum som saía de minha boca. Os presentes abriram uma roda, como se meus movimentos agressivos fossem uma reverência, e que de minha parte, confirmava apenas o sorriso de sucesso. Eu era o centro das atenções e o coadjuvante. Eu era o domínio e a submissão, o reinado e a picardia, o altruísta e o desconsolado. Não conseguia mais desvestir a máscara que me cobrira com seus tentáculos firmes. Estava condenado a um mutismo e a perda do que já não era mais eu. Não era mais eu. A máscara ganhara. Retornei mudo, observado por olhares anônimos vendo minha figura cambaleante desaparecer no horizonte.

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