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     Já passava das duas horas da manhã e Diego ainda não havia dormido nem por um minuto. O garoto se encontrava encarando o teto, tentando controlar os soluços enquanto as lágrimas corriam pelo seu rosto. Ele não se lembrava de ter começado a chorar, não lembrava de como chegou a esse ponto. Não se lembrava de ter pegado a lâmina, e principalmente, não lembrava de quando foi a primeira vez que a enfiou em seu pulso naquela noite. E os cortes não doíam como de costume. Diego não estava sentindo a dor que, na maior parte do tempo, lhe causava sensações de conforto, aliviando a dor sentimental. Ele não sentia absolutamente nada.

    Diego fechou os olhos novamente em outra tentativa frustrada de dormir. Ele só queria que as risadas parassem. Que os xingamentos parassem. Que os machucados sumissem. Tanto os físicos quanto os psicológicos. Ele simplesmente não sabia mais o que fazer. Também não tinha ninguém a quem recorrer. Ele estava sozinho. Sozinho confuso e destroçado. Ele tentou ser positivo e fingir não se importar com as palavras maldosas que ouvira principalmente de seu pai. Afinal, o que ele tinha feito de tão errado? "Tudo bem. Vai ficar tudo bem." Ele repetia para si mesmo em seus pensamentos. Mas Diego sabia que aquilo não era verdade. Não ia ficar tudo bem. Seus pensamentos acabaram o levando para onde ele não queria chegar. Aquele garoto que ele conhecera na praia. Por que tinha que ser tudo tão complicado? E como as pessoas da sua escola descobriram sobre ele? Isso não importava mais. Provavelmente ele já devia estar a quilômetros de distância dali.

    Toda vez que chegava na escola era recebido com olhares de desprezo e nojo de seus colegas que o conheciam desde sempre. Mesmo não tendo muitos amigos nunca o garoto tivera dificuldade para conviver com as pessoas. Agora, onde quer que Diego ia essas o seguiam com o olhar. Uns garotos do último ano o cercaram em um canto na hora do recreio e literalmente o espancaram. Aquele momento parecia ter passado em câmera lenta para o garoto que estava se contorcendo de dor no chão. E quando falou para o diretor da escola o motivo pelo qual apanhara, Diego conseguia perceber no olhar do homem mais velho que, se não fosse totalmente antiético, ele mesmo teria batido no menino. Como se não bastasse ficar sozinho na hora do intervalo, agora também era alvo de várias piadinhas sujas e de mal gosto. Parecia que a escola inteira estava contra ele. Não. A escola não. Os insultos não se restringiam apenas ao colégio. Em casa seus pais o ignoravam e o tratavam como se fosse um total estranho para aquela família. Seu irmão, que tinha 6 anos, era o único que ainda o respeitava.

    Diego achava aquilo tudo muito desnecessário. Como se as pessoas com quem ele fica ou deixa de ficar fosse fazer diferença na vida dos outros. Então porque as pessoas continuavam a se importar? Ninguém olhava na cara do garoto, e seus pais estavam tão ocupados lamentando que, na cabeça deles, tinham perdido o filho que nem perceberam quando começaram a perdê-lo de verdade. E dessa vez não teria volta, ele já tinha desistido. A única pessoa que sempre o tinha apoiado era sua mãe, e agora, por causa de uma característica sua, até ela tinha virado as costas para ele. Por que as pessoas tinham que ser tão ignorantes? Não é como se ele tivesse uma escolha. Ele é assim e pronto.

    O garoto virou de lado na cama e pegou seu celular para ver a hora. Duas e quinze. Ele não sentia mais as lágrimas escorrendo em seu rosto, só sabia que elas estavam ali pois continuava a encharcar o travesseiro. Sua respiração já estava controlada agora e ele não estava mais nervoso, nem com raiva, nem desesperado. Apenas encarava o teto acima de si. Tudo ao seu redor era tão insignificante pra ele que não fazia mais diferença estar vivo ou não. Diego estava pressionando a lâmina em seu pulso, bem em cima da veia. Ele tinha desistido. Quando o objeto cortante estava quase perfurando sua veia principal, seus olhos encontraram uma foto. A foto estava pendurada na porta de seu quarto que estava trancada. Nela um menino de uns 10 anos segurava um bebê no colo. Ele parou imediatamente o que estava fazendo e deixou a lâmina cair ao se levantar. Deve ter se passado uns cinco minutos inteiros enquanto ele ficou observando a foto. Caminhou calmamente até seu banheiro e pegou uma toalha para estancar o sangue.

    Depois de fazer um curativo nos cortes e limpar sua cama, Diego se dirigiu a porta de seu quarto. Seu pais tinham saído para um jantar de trabalho e não dormiram em casa. Pelo menos não correria o perigo de trombar com eles no caminho para o quarto de seu irmão menor. Ao abrir a porta não esperava ver o que encontrou a sua frente. Seu irmãozinho não estava no quarto dele, mas sim recostado na parede em frente a porta de seu quarto, agarrado à um dinossaurinho de pelúcia que ganhara do mais velho em seu primeiro aniversário, cochilando, em um sono leve, pois quando Diego abriu a porta, o menor acordou e o encarou com os olhinhos verdes repletos de preocupação. O pequeno se levantou e deixou o dinossauro de lado e abraçou o irmão mais velho. Depois pegou na mão do garoto e o guiou ao seu próprio quarto. O fez deitar em sua cama e entregou o dinossauro de pelúcia para ele. Ao entregar o bichinho deitou ao lado do mais velho e o abraçou fazendo carinho em seus cabelos. E foi nessa hora, quando seu irmão estava quase dormindo depois de ter certeza que ele estava bem, que Diego percebeu que não podia desistir. Não enquanto ainda havia uma pessoa que se preocupava com ele e que realmente o amava.


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