Um Amor de Olimpíadas

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   Quarta feira, três de agosto de 2016. Os olhos verdes de Luna brilharam em seu rostinho sardento. Afinal, acabara de ler que quem desejasse assistir ao vivo a cerimônia de abertura das Olimpíadas Rio 2016, mas ainda não tivesse comprado os ingressos teria uma última chance para fazer isso. Que às zero horas da quinta-feira, pela internet, abriria a venda de um lote de ingressos para a realização da mesma, que aconteceria no Maracanã a partir das vinte horas do dia cinco. Os preços variavam de R$ 200 a R$ 4,6 mil.

Desde março de 2015, quando começou a venda de ingressos, Luna sonhava em ir às olimpíadas. Inscrevera-se como voluntária. Mas Luna tinha prótese na perna direita, mancava e era muito tímida.

Alvo muitas vezes das piadas dos meninos de sua sala de aula, no dia em que a entrevista estava marcada, Luna não se atreveu a comparecer. A timidez, não a prótese, impediu Luna de realizar seu sonho.

Então, enfiou-se nos livros. E no final do semestre, ela teve as melhores notas do colégio. Recebeu as honras em uma reunião de pais e mestres, mas sentiu certa ironia quando foi citada como a aluna de família pobre e com dificuldade para se locomover, que todos os dias vinha de ônibus para aquele colégio e que ficara à frente dos demais alunos, com as melhores notas.

Seus pais ficaram felizes. Luna ficou melancólica.

Na casa de Luna, a situação não era das melhores. Seus pais trabalhavam para sustentar a ela, com 17 anos e aos três irmãos mais jovens.

O brilho morreu nos olhos... Ela não poderia ir.

Queria tanto ver a atleta Yane Marques, nordestina da mesma cidade em que seu pai nascera ser a porta-bandeira na abertura das Olimpíadas 2016 no Brasil.

Saber se Pelé acenderia a Pira Olímpica na abertura da cerimônia...

A diversidade musical de Anitta a Caetano Veloso, Zeca Pagodinho, Marcelo D2 e Wesley Safadão. E Giselle, linda e elegante na passarela virtual ao som de "Garota de Ipanema". Oportunidade única na vida de uma garota pobre da periferia do Rio. Mas ela sabia que não poderia comprar nem o ingresso do preço mínimo.

Estudaria. A mente seria ocupada com outros pensamentos. A realidade venceria o sonho. Pensando assim, Luna dormiu sobre os livros.

A luz do sol entrou pelas frestas da janela e somente ai Luna percebeu que por toda a noite dormira sentada. As costas doíam e a perna esquerda, que sustentava melhor a sua coluna, estava dormente. Com esforço, conseguiu levantar-se e tomar um banho. O ônibus para o colégio não tardaria a passar.

Ainda pensou nas Olimpíadas, enquanto lanchava um café com pão as pressas. Depois, pegou sua mochila e saiu.

Durante todo o tempo, se esforçou para concentrar o pensamento no conteúdo que os professores repassavam. Afinal, agora sentia a responsabilidade de ser a melhor aluna. Seus pais mereciam. Quando era criança e perdeu a perna em um atropelamento, sua mãe estivera presente em todos os momentos.

O pai trabalhara com afinco para pagar os tratamentos a que fora submetida.

Luna queria um futuro melhor para eles. E estudando, conseguiria.

No dia quatro, Luna chegou do colégio e foi para o quarto. Queria dormir, tranquilamente, sem dores. Dormir durante a tarde, a noite e outro dia e noite... Não queria assistir a cerimonia pela televisão. Queria calor humano, alegria, vibração de gente.Isso, os meios de comunicação não conseguem transmitir.

As dores físicas estavam incomodando. Não encontrava sono, não queria ver ninguém. A tarde pareceu um século.

Às dezessete horas seu pai chegou do trabalho. Pouco depois, uma batida na porta. Um "posso entrar?" de seu pai, que não poderia ser negado.

E um presente. Na mão de seu pai, um ingresso, suado pelo dia de trabalho, comprado Luna não sabe onde, nem por quem. Seu pai não fazia uso de internet. Sempre chegava cansado e dormia.

A felicidade parecia querer estourar o coração de Luna. E correndo, ela se arrumaria para pegar o ônibus e ir até o Maracanã no dia cinco. E se ela estivesse feia, se a roupa fosse velha? Nada disso importava! Ela realizaria o maior sonho de sua vida!

Eram dezessete horas do dia cinco de agosto quando ela e seu pai desceram do ônibus. Acreditavam que a fila deveria ser imensa e por isso teriam que chegar mais cedo. Seu pai comprara dois ingressos de preço mínimo. Ele fizera horas extras para conseguir. Para ele, uma forma antecipada de comemorar o Dia dos Pais. Sua filha lhe dera um presente antecipado também. O orgulho de ser pai dela.

A luz solar ainda iluminava o cenário de um mundo de gente que ia e vinha.

E nesse ritmo frenético de gente, Luna esbarrou em alguém. Desequilibrando-se, pensou que iria cair e se isso não aconteceu, foi porque braços fortes a ampararam.

O olhar verde de Luna confrontou-se com os olhos negros de um belo rapaz. Alto e de porte atlético, ela a segurava ainda e o tempo parecera parar. Porém, a luz do dia deixou que Luna percebesse... Os olhos de seu salvador não tinham luz.

– Muito prazer! Meu nome é Mateus! – disse o rapaz, que pareceu sentir o espanto de Luna.

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–Sou atleta paraolímpico, porém iniciante. Eu sou cego. Vim assistir a abertura dos jogos e também pretendo assistir as paraolimpíadas – continuou ele, sem nenhum embaraço.

Luna pareceu voltar à realidade. Tão abobalhada com o encontro, por instantes quase esquecera seu pai.

– Danilo, meu pai! E eu sou Luna. E sou manca. – completou sem jeito.

Mateus conversou longamente sobre André Fontelle, atleta paraolímpico que perdeu as pernas poucos dias depois do nascimento e com suas próteses, consegue correr mais que os demais seres humanos. Palavras fluíam entre eles, como se há tempos se conhecessem.

Assim, nessa longa conversa, chegou o momento de entrar no estádio. E quando os três caminharam juntos, Luna sentiu que aquele evento traria para sua vida, além da realização de um sonho, o começo de uma linda história de amor.

Luna apenas sonhara em ver a cerimônia de abertura das Olimpíadas. Tímida e com dificuldades para andar, ela não esperava em um só dia, realizar seu sonho e encontrar o amor.

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