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Era noite de uma sexta-feira, e eu me lembro como se fosse hoje.

Quando saí do hospital em que trabalhava como clínico geral, liguei para Suzuki e, antes que eu pudesse falar algo, ele começou a cantar de modo desastroso um parabéns. Mordi os lábios e controlei os risos, mas foi impossível segurar ao que a cantoria cessou. Ele resmungou algo, e eu pude imaginar perfeitamente suas bochechas inflando e seu rosto tomado por uma expressão infantil de descontentamento. Era meu segundo aniversário em que estávamos juntos e a segunda vez que isso acontecia, mas, ainda assim, continuava sendo cômico. Ademais, Akira disse que passaria em meu apartamento às 20hrs e - forçando um tom autoritário - que era bom que eu estivesse pronto, senão desistiria e iria embora. Me senti uma adolescente apaixonada quando falei um "baka" aos risos e encerrei a chamada.

Ao que, finalmente, cheguei em casa, joguei meu jaleco em um cesto próximo e tratei de ir logo tomar banho e ficar decente, o que demorou longas duas horas. Era em torno de 19h30 quando eu ainda estava arrumando meu cabelo quando alguém tocou a campainha e, a contragosto, fui atender ao chamado. Quando abri a porta, Suzuki simplesmente entrou, fechou-a e, sem dizer qualquer coisa, me beijou, segurando meu rosto e puxando-me para mais perto. Porém, quando seus lábios abandonaram os meus e foram em direção ao meu pescoço, tive que pará-lo, empurrando-o. Enquanto eu o xingava e perguntava por que diabos ele estava ali meia hora adiantado, o vi jogar-se no sofá e curvar os lábios em um beicinho. O maldito disse que estava com saudades.

Assim que consegui terminar de me arrumar, saímos. Perguntei para onde íamos, e, sem tirar os olhos do trânsito, respondeu que seria uma surpresa. Após 20 minutos, ele estacionou em um lugar completamente desconhecido por mim e, ao que colocou uma porcaria de venda bloqueando minha visão, me guiou. Quando, enfim, tirou aquilo do meu rosto, deparei-me com uma das cenas mais inusitadas possíveis: uma área repleta de jogos, desde piscina de bolinhas ao velho tipo de máquinas alá joguinhos de luta. Perguntei se ele por acaso pensava que eu era uma criança, e em resposta escutei "seus desejos mais íntimos são de uma, e não adianta negar". Percebendo meu desconcerto, ele revelou que Yuu, meu melhor amigo meu desde a adolescência, disse que eu olhava para essas áreas de jogos e dizia que, um dia, teria uma só para mim.

Ignorando - ou ao menos tentando - seus comentários, dei alguns passos à frente. Estávamos, realmente, sozinhos em meio àquela imensidão colorida. Os únicos sons, além de nossas vozes, pertenciam aos brinquedos que estavam ligados. Pensei em perguntar como Akira havia conseguido aquilo, mas deixei essa pergunta para outra ocasião. Quando situei-me à frente de uma máquina de KOF e curvei-me, ele gargalhou, dizendo que não imaginava que eu iria admitir tão cedo que aquilo era verdade. Eu lhe lançava olhares assassinos, mas o maldito só ria mais da minha cara. Foi quando eu o mandei calar a boca e o desafiei para uma partida, e ele simplesmente veio e começou a jogar comigo.

E assim os minutos foram passando, até que chegamos a um ponto em que mergulhávamos naquela - enorme - piscina de bolinhas às gargalhadas. Comecei a atirar bolas em sua direção e fugir, até o momento em que ele me alcançou e prendeu meu corpo contra uma das extremidades. Nos encontrávamos suados e ofegantes, e isso lhe pareceu a oportunidade perfeita para me beijar mais uma vez. Suas mãos começaram a passear por meu corpo, até chegarem às nadégas, onde não hesitou em apertar. Acabei por deixar um gemido escapar por entre o beijo, o que, para Suzuki, era o mesmo que assentir para que ele continuasse com seus atos, e foi exatamente o que ele fez.
Segurou minha cintura com ambas as mãos e ergueu-me, pedindo para que eu colocasse minhas pernas ao redor de seu quadril. Não hesitei em acatar ao pedido, e em seguida senti meu corpo ser ainda mais pressionado contra aquela extremidade. Seus dedos então ocuparam-se com a barra da minha camisa, puxando-a para cima, e assim se seguiu. O resto você pode imaginar. Após isso ter acontecido, perguntei como ele teve coragem de começar aquilo dentro de uma piscina de bolinhas. Se bem que, venhamos e convenhamos, eu também não tinha lá moral para lhe dar sermão quanto a isso.

Já fora da imensidão de pontinhos coloridos, Akira me abraçou por trás e disse, próximo ao meu ouvido:

- Feliz aniversário, Takanori.

- Hum, só isso? - Estreitei os olhos, mas ri.

- Ah, deixa eu ver... Você é um médico brilhante, sabia? Fica sexy de jaleco. Eu te amo muito, muito mesmo. E.. Hum...Prometo que jamais vou lhe abandonar! Que tal?

Apesar do tom de brincadeira, nós dois sabíamos que as palavras eram verdadeiras. Curvei meu rosto de modo a poder tocar seus lábios com os meus e disse que também o amava, só que mais.

Já no caminho para a volta, ele inventou de irmos ao cinema. Falei - implorei - para que não, alegando estar cansado demais. Meu pedido foi aceito e ele continuou a dirigir em direção ao meu apartamento, vez ou outra falando do quanto estava achando cada vez mais chato ser arquiteto e que estava cogitando a possibilidade de começar outro curso. Eu o apoiei, algo que o deixou realmente mais encorajado a seguir com os planos que tinha em mente. Meu celular tocou, constatei ser minha mãe e, empolgado, atendi. Lembro de ter trocado somente algumas palavras com ela quando, de repente, fortes luzes bloquearam a visão que eu e Suzuki tínhamos do trânsito.

Depois disso, mais nada.

Lembro que, quando acordei, só conseguia ver o branco; este começou a tomar forma aos poucos, até que me senti sem opção senão aceitar a verdade: eu estava em um quarto de hospital. A surpresa maior foi quando vi Yuu adentrar no recinto e aproximar-se de mim, perguntando como eu me sentia. Ele disse que eu havia quebrado duas costelas, mas que não era tão grave como parecia. Perguntei que droga havia acontecido, e tive somente a confirmação de algo que eu já sabia: acidente de trânsito.

Quando perguntei sobre Suzuki, Yuu não respondeu, apenas abaixou o olhar. Elevei meu tom de voz, exigindo que ele me respondesse e que era um direito meu eu saber. Seu silêncio foi a resposta.

Lembro de meu melhor amigo segurando minha mão e dizendo coisas que, àquela altura, para mim, eram todas desconexas.

Levei um bom tempo para aceitar que aquilo realmente havia acontecido e que eu não estava apenas perdido em uma cena de um livro ou filme clichê. Os primeiros dias após minha recuperação foram os piores, não conseguia nem trabalhar direito e, em função disso, foram-me dados dias de "folga".

Eu nunca procurei saber detalhes do ocorrido, minhas lembranças já eram o bastante e até mesmo demais. Não queria elas para mim, não queria qualquer recordação daqueles últimos segundos.

Dois anos se passaram desde então. Não ouso dirigir, tenho pavor. Quando algum amigo oferece carona, só aceito se for pela manhã ou tarde. Direção e noite são coisas que não consigo ligar. Evito falar ao telefone quando estou ao lado de um amigo ou familiar, temo o pior.

Eu só saio para ir trabalhar, o simples ato de colocar os pés para fora de casa me deixa cansado. O café não é mais doce mesmo que eu insista em colocar mais açúcar. O sol parece não me aquecer, e o mundo, parece ter perdido suas cores.

Adormecer vem sendo minha válvula de escape.

Todos os dias, quando deito para dormir, sinto uma presença além da minha. Não posso vê-la, não posso tocá-la, mas sei que está ali. Suzuki Akira prometeu que jamais me abandonaria.

promise | reitukiOnde histórias criam vida. Descubra agora