Tatting, J.

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No cumprimento de meus deveres como juiz deste Tribunal, tenho sido normalmente capaz de dissociar os aspectos emocionais e intelectuais de minhas reações e decidir o caso sub judice inteiramente baseado no último. Examinando este trágico caso, sinto, todavia que me faltam os recursos habituais. Sob o aspecto emocional sinto-me dividido entre a simpatia por estes homens e um sentimento de aversão e revolta com relação ao monstruoso ato que cometeram. Alimentei a esperança de que seria capaz de pôr estas emoções contraditórias de lado como irrelevantes e, assim, decidir o caso com base em uma demonstração convincente e lógica do resultado reclamado por nossa lei. Infelizmente não alcancei esta liberação. Ao analisar o voto que terminou de enunciar meu colega Foster, sinto que está minado por contradições e falácias. Comecemos pela sua primeira proposição: estes homens não estavam sujeitos à nossa lei porque não se encontravam em um "estado de sociedade civil", mas em um "estado de natureza". Não me parece claro porque isto seja assim, se em virtude da espessura da rocha que os aprisionou ou porque estavam famintos ou porque tinham estabelecido uma "nova constituição", segundo a qual as regras usuais de direito deviam ser suplantadas por um lanço de dados. E outras dificuldades fazem-se sentir. Se estes homens passaram da jurisdição da nossa lei para aquela da "lei da natureza", em que momento isto ocorreu? Foi quando a entrada da caverna se fechou? Quando a ameaça de morte por inanição atingiu um grau indefinido de intensidade? Ou quando o contrato para o lanço de dados foi celebrado? Estas incertezas que emergem da doutrina proposta pelo meu colega são capazes de causar reais dificuldades. Suponha-se, por exemplo, que um destes homens tenha feito seu vigésimo primeiro aniversário enquanto estava aprisionado no interior da montanha. Em que data teríamos que considerar que ele completou a maioridade - quando atingiu os vinte e um anos, no momento em que se achava, por hipótese, subtraído dos efeitos de nossas leis, ou quando foi libertado da caverna e voltou a submeter-se ao império do que o meu colega denomina nosso "direito positivo". Estas dificuldades, no entanto, servem para revelar a natureza fantasiosa da doutrina que é capaz de originá-las.

Mas não é necessário explorar mais estas sutilezas para demonstrar o absurdo da posição do meu colega. O senhor Ministro Foster e eu somos os juízes designados do Tribunal de Newgarth, com o poder-dever de aplicar as leis deste país. Com que autoridade nos transformamos em um tribunal da natureza? Se esses homens na verdade se encontravam sob a lei natural, de onde vem nossa autoridade para estabelecer e aplicar aquela lei? Certamente nós não estamos em um estado de natureza. Mas, examinemos o conteúdo deste código de leis naturais que meu colega propõe que adotemos e o apliquemos a este caso. Que código desordenado e odioso é este! É um código em que as normas reguladoras dos contratos assumem maior importância do que aquela referente ao homicídio. É um código segundo o qual um homem pode estabelecer um contrato válido, conferindo poderes a seus semelhantes de comer seu próprio corpo. Além disso, segundo os seus dispositivos, uma vez feito, tal contrato é irrevogável, e, se uma das partes tenta rescindi-lo, as outras podem tomar a lei em suas próprias mãos e executá-lo pela força - pois embora meu colega não refira, por conveniência, o efeito da rescisão unilateral do contrato feita por Whetmore, esta é uma inferência necessária de sua argumentação.

Os princípios expostos por meu colega contêm outras implicações que não podem ser toleradas. Meu colega argumenta que quando os acusados lançaram-se sobre Whetmore e o mataram (nós não sabemos como, talvez golpeando-o com pedras), eles estavam somente exercitando o direito que lhes fora conferido pelo contrato. Suponha-se, entretanto, que Whetmore tivesse escondido sob suas roupas um revólver e que, quando visse os réus lançarem-se sobre si para trucidá-lo, os tivesse matado a tiros a fim de salvar sua própria vida. O raciocínio de meu colega aplicado a estes fatos transformaria Whetmore em um homicida, de vez que a excludente da legitima defesa teria que ser-lhe denegada. Se seus atacantes estavam atuando legalmente procurando ocasionar sua morte, então, evidentemente, ele não mais poderia excusar-se argumentando que estava defendendo sua própria vida, da mesma forma que não poderia fazê-lo um prisioneiro condenado que abate o verdugo enquanto tenta legalmente colocar o nó em seu pescoço.

O Caso dos Exploradores de Caverna  - Lon FullerOnde histórias criam vida. Descubra agora