Não fuja

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A estrada estava coberta por um espesso nevoeiro que limitava minha visão em todas as direções, fazia muito frio e eu estava sozinho. No silêncio. Ouvia-se apenas o assovio do vento forte. Eu não sabia onde estava, nem onde estive um tempo atrás, não conseguia me lembrar e nem conseguia enxergar, a única opção que me restava era andar.
Pouco a pouco eu via uma árvore ou outra na imensidão do vazio, no meio da palidez. Mas com o tempo, o nevoeiro tornar-se-ia rarefeito, pude ver uma casa de madeira à minha frente, era pequena e simples. Devia estar ali por muitos anos... O tempo a matou.
Bati na porta e ninguém respondeu - obviamente. Mas claro, eu precisava entrar, caso contrário, não haveria nada mais à se fazer. A porta estava acorrentada. A corrente estava nova... Ignorando esse fato, circundei a casa à procura de alguma entrada, a janela estava podre e já estava caindo, só bastou um empurrão para derrubá-la. De fora, examinei o local. Estava escuro e somente as poucas frestas na casa a iluminavam, mas já estava escurecendo.
Lá dentro não havia mobilia, os cômodos estavam vazios, mas à frente havia uma porta.
Estava caminhando em direção a ela quando ouvi um barulho. Alguém estava lá? Porque não batera na porta antes?? Teria alguém me seguido??? Minha mente não parava! O medo estava a tomar conta de mim. Outro barulho! Dessa vez eram passos, e estavam se movendo com bastante velocidade! EU TINHA DE ME ESCONDER! A porta! Era a única opção, já que não havia mobilia para me esconder... Os passos ficavam mais rápidos. Mais altos. Mais próximos. Eu estava ficando louco! A cada passo somavam-se dezenas de pensamentos! Até que tudo cessa. Esse alguém estava no cômodo ao lado, e a porta estava só 2 passos à minha frente e minha mão já apertava a maçaneta. Lá dentro, não havia nada, não havia nenhuma janela, apenas... uma cortina clara que separava o cômodo em dois.
A porta fecha. Eu estava preso agora. Atrás da cortina uma luz acendia mostrando a sombra de uma pessoa sentada, abaixo o sangue escorria. Logo um grito atormentador... A pessoa então começa a se debater e cai, derrubando a cortina. Estava sem maxilar e estava amarrada na cadeira. Mais adiante havia mais quatro ou cinco pessoas caídas no chão. Mortas. Mas de maneiras diferentes, algumas sem mãos, outras sem as pernas e braços, e uma empalhada caíra sobre meus pés.
Os passos se intensificavam. Não havia saída, me arrastaram para a armadilha. A última coisa que senti foi uma agulha nas minhas costas. Apaguei.
Depois de um tempo, acordei um pouco desnorteado, estava de ponta cabeça e estava pelado. A luz forte me irritava, mas dava para ver claramente onde eu estava, amarrado, de ponta cabeça em cima de um tanque de água fervente, ao lado haviam ferramentas, cerras, martelos, canivetes, pregos e várias seringas. Há 5 metros de distância havia uma figura, parada, me olhando fixamente com a cabeça inclinada para o lado.
Veio andando, torto, desengonçado, tropeçando. Falava rápido demais, e eu não conseguia entender nenhuma palavra! Mas não demorei muito para entender o que estava se passando, quando ele me mostrou as várias seringas e ferramentas apontadas para diferentes partes do meu corpo, ele queria me perguntar de qual maneira eu queria morrer. Quando percebi, a única reação que tive foi de desespero, não havia saída, não havia o que pensar, não havia o que fazer, estava ali, cara a cara com a minha morte, com a minha dor. E de fato, ele não era uma figura que me mataria apenas, ele queria me ver sofrer, como o fez com aquelas outras pessoas.
Estava ficando rouco quando ele pegou uma cadeira e sentou, a admirar os meus gritos desesperados. Quando finalmente perdi a voz e estava tão exausto que não conseguia mais mover um só músculo, ele me abaixou. Me colocou sentado numa cadeira, sem amarrar pois sabia que eu não tinha mais forças para correr. Logo, ele pegou um álbum de fotografias, mostrava as suas vítimas sorrindo com aquela vez que sufocou e que empalou tal pessoa. Logo ele fechou a cara, ficou sério e saiu rapidamente do local. Me deixando sozinho.
EU TINHA QUE FUGIR! Juntei todas as minhas forças e me arrastei até a porta. A pessoa sem o maxilar usava suas últimas forças para tentar gritar implorando ajuda quando, por relance, me viu rastejando rumo à porta de saída. Já estava no meio do corredor, quando ouvi novamente os passos ficando mais próximos, ele dava um riso doentio enquanto caminhava mais rápido. Tinha de ficar imóvel na escuridão e torcer para que ele não pisasse e nem me visse no chão. Ele passou direto, então vi que era a hora, a única, a última chance de juntar todas as minhas forças, me levantar e correr rumo à janela. Eu o fiz.
Ignorei a minha exaustão, corri sem me permitir fraquejar ou desmaiar. Lá atrás, no cômodo, ele gritou furioso, veio correndo às cegas pelo ódio para me pegar. Os passos, cada vez mais rápidos. Mais altos. Mais próximos.
A janela estava à minha frente. Nos meus olhos! Me joguei pra fora, mas ele me segurou pela perna, fazendo-me bater a cabeça na parede. Assim que me virei, sangrando e desnorteado, vi seus olhos, e vi o seu rosto - coisa que não pude ver com nitidez quando estava na casa -, seus olhos pretos estavam cheios de lágrimas, e o seu rosto, era o meu.
Não poderia acreditar! Não estava raciocinando direito, mas eu vi, e não poderia ser uma alucinação causada pelo medo. Eu vi. Sei que vi...
No instante em que vi seu rosto, o tempo parou, só por um instante pra eu conceber o que acabara de ver, mas aquilo estava acontecendo de fato, não havia fuga e nem era um sonho, eu senti a dor e estava vendo em sua mão um martelo, que ele tentava me acertar com todas as suas forças. Quando ele acertou o meu ombro, pude ouvir o barulho do osso sendo esmagado, senti o sangue quente escorrer pelo meu corpo e senti a minha garganta quase sangrar com o grito que dei. Desmaiei.
Quando acordei, estava deitado. O som estava ligado tocando uma melodia linda, típica das músicas clássicas que eu adorava tanto.

Eu me via deitado, eu estava deitado, morrendo, me matando. Quando eu cortava minha perna, eu sangrava. Enquanto eu estava tirando a pele da minha perna, eu gritava. Em quanto a dor transbordava, meu corpo tremia. A cada gota de sangue que eu era obrigado a beber, eu ria. Os gritos de dor tentavam propagar pela água fervendo que descia pela minha garganta, queimando-me por dentro. Cozinhando-me por dentro. A cada unha que era tirada pelo alicate, eu me divertia. A cada dente quebrado pelo martelo, eu chorava. E, enquanto o ferro fervendo entrava pelo meu ombro quebrado atravessando o meu corpo, eu chorava de prazer. Quando eu senti meus olhos fecharem, desejei acordar mais uma vez. Quando eu vi meus olhos fecharem, chorei por ter morrido. Minha diversão tinha acabado.

Era cinco e meia quando meu relógio despertou, eu ainda estava cansado, não dormira nada nessa noite, mas tinha de me levantar de novo se não me atrasaria, perderia minha alegria, perderia minha diversão...

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