Capitulo I

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Os rangeres estendidos dos sapatos de Maria me indicavam que ela estava vindo me acordar, me remexi um pouco debaixo das enormes cobertas macias e procurei pelo relógio branco de marfim que ficava sob minha comoda também branca, era exatamente seis e meia, ouvi o leve rangir da porta se abrindo, Maria me chamou sem mesmo entrar, como sempre fazia, na mesma hora, do mesmo jeito.

Senti um choque térmico de leve ao encostar meus pés quentes na madeira fria, segui até meu banheiro, tudo estava como de costume, a escova de dentes já aposta ao lado da pia, minhas roupas penduradas junto ao um cabide atrás da porta e meus sapatos de couro pretos engraxados logo abaixo, minha corrente fina de ouro estava sobre a pia, foi a primeira coisa que coloquei em meu corpo, era mais um dia que acabava de começar, era mais uma segunda-feira.

Quando saí do meu quarto, já vestindo meus trajes, já era possível sentir o aroma formidável da comida; passei pelos quartos e pela sala, desci as escadarias brancas de mármore e parei a porta da cozinha e lá estavam elas; Maria e Cecília, Maria servia meu prato enquanto Cecília secava suas pobres mãos já gastas pelo tempo e pelo trabalho.

-Bom dia senhor Yoongi! -Puseram-se a dizer se curvando a mim

Eu ainda não havia me tornado um homem, tinha apenas dezesseis anos de idade, mas, dentro desta casa a disciplina era algo que sempre foi reconhecido e tratado com tal relevância.

Na ponta da mesa estava meu pai, um homem alto, forte, no augue dos seus trinta e poucos anos, ele lia o jornal local e era para ele que a educação tinha esta tal relevância superior, ele me lançou um olhar de reprovação, o que era de se esperar de sua parte, pois para ele reconhecer algo feito por outra pessoa era quase uma missão impossível, mas, não era isso que lhe afingia no momento, a questão era que seu filho Min Yoongi de dezesseis anos, herdeiro de tudo que ele um dia conquistou com trabalhado duro, o que ele adorava e fazia questão de enfatizar, não havia respondido aos cumprimentos da serventia da casa.

-Bom dia! -Respondi curvando pouco meu corpo, afinal se curvasse demais receberia um olhar de reprovação.

Aquela extensa e farta mesa dispunha apenas de dois pratos, ambos, em suas afastadas pontas, as toalhas brancas com renda da mesma cor não faziam destaque sobre as paredes que rondavam aquela extensa cozinha.

-Eu mandarei Mateus buscar você as seis! -Disse meu pai ríspido sem tirar os olhos de seu preciso pedaço de papel.

-Está bem! -Assenti encarando a mesa enquanto Maria servia leite junto ao café que já estava quente dentro daquela xícara de porcelana amarelada que estava em minha frente sob um pires da mesma cor.

Aquela era uma das únicas coisas que me lembro de Maria dizer que minha mãe gostava naquela enorme casa, pois, aquelas xícaras eram uma das poucas coisas coloridas que haviam lá dentro.

Ouvi passos e logo os mesmo foram se afastando, ele havia se retirado da cozinha.

-Eu deixarei as partituras e seu caderno sobre sua cama está bem?! -Ouvi Cecília dizer vindo até minha frente

Assenti encarando a mesma, que logo sorriu em um sinal de aprovação.

-Não quer comer nada Yoongi? -Perguntou Maria colocando sua mão em meu ombro

Gostava quando me chamavam pelo meu nome, apenas pelo meu nome, sem me colocar em algum patamar, Maria e Cecília sabiam disso, afinal, elas eram as únicas que falam comigo aqui.

-Acordei sem fome! -Disse remexendo a colher submersa no liquido da xícara

-Lhe acordei da forma errada? -Ela perguntou em um tom de frustração

-Claro que não Maria! Não se culpe por isso! Eu apenas não tenho fome! -Disse a encarando

Ela sorriu aliviada, passou a mãos por meus cabelos loiros, segundo ela idênticos aos de minha mãe e disse sorrindo.

-Sua mochila está na sala! A preparei ontem!

Levantei-me da cadeira a empurrando levemente para trás Maria e Cecília arrumavam a cozinha quando as encarei, não havia muito o que fazer pois não havia louça alguma, apenas minha xícara amarela, minha não, de minha mãe.

Já havia um tempo que as coisas andavam desse jeito, mesmo que eu não fosse beber, mesmo que eu não tivesse fome, Maria deixava a xícara sobre a mesa em frente ao meu lugar de se sentar, sempre cheia de leite com café, duas colheres rasas de açúcar demerara; Maria me contou que essa era a bebida favorita de minha mãe então ela fazia questão de colocar para mim, eu não havia pedido a ela, mas, ela sabia que cedo ou tarde eu iria pedir, quem sabe desse jeito, com sua bebida favorita sob a mesa ela não volte para casa..

Despedi-me das duas com um caloroso abraço, uma de cada vez, atitude perigosa e rara, pois jamais poderia ser feita em frente a meu pai, sentir os braços das mulheres que me criaram me envolverem em um ato de afeto não tinha preço.

Senti que Maria me abraçou firme, mas ao mesmo tempo com toda a delicadeza do mundo, ele passou a mão por meus fios de cabelos os ajeitando, segundo ela do jeito que minha mãe fazia.

-Seja forte hoje está bem! -Ela disse segurando a corrente em meu pescoço e acariciando a mesma.

Ela sempre me dizia aquilo, mas, hoje, em especial, ela falava com mais autoridade, com mais preocupação do que nos outros dias.

Eu tentava não me lembrar dessa situação, desse fato, porém era um fato, algo verídico, algo que eu não podia mudar.

-Vou mandar providenciarem o buque! -Ouvi Cecília dizer baixo a Maria, para que eu não a ouvisse, indo em direção a porta.

-Tem um bom dia hoje! -Ela disse acariciando meu ombro quando passou por mim

Maria estava encostada a bancada da pia amarrotando a barra de seu avental branco que estava em seu corpo, ela sempre ficava estranha nessa data.

Dezessete de setembro, hoje era dia dezessete de setembro.

Lembro-me que no dia dezesseis de setembro, a doze anos atrás, eu estava deitado em minha cama, minha mãe cantarolava alguma música antiga de ninar enquanto acariciava meus cabelos.

Lembro-me que no dia dezessete de setembro, a doze anos atrás, eu estava deitado em minha cama, Maria, segurando algumas lágrimas, cantarolava a música antiga de ninar e acariciava meus cabelos, minha mãe havia sido encontrada morta naquele dia logo pela manhã.

Segui até a sala e logo encontrei minha mochila preta se destacando sobre a coloração clara do sofá, abri a mesma para conferir se estava tudo certo alí, fechei a mesma com um sorriso, Maria sabia como eu gostava das minhas coisas arrumadas então fazia isso sempre que possível, coloquei a mochila sobre as costas e saí pela porta da frente de casa

Meu pai um dia me disse que seu eu fizesse algo que manchasse o nome da nossa família ou o deixasse mal falado eu jamais poderia entrar ou sair de casa pela porta da frente outra vez! Ele ainda tinha a sua limpa honra.

Encarei o vasto jardim de rosas que meu pai havia mandado plantar alí, todas brancas, mas, havia um canteiro bem ao fundo, escondido atrás das outras, onde as rosas eram coloridas, eram rosas vermelhas, amarelas, azuis, roxas, Cecília me disse que aquele canteiro era uma pequena parte do que um dia foi o jardim de minha mãe, talvez por isso passar meu tempo alí fosse tão bom.

Reconheci alí, dentre aquele enorme mar branco, a boina xadrez do senhor Hugo, o jardineiro. Nós nunca conversamos, pois, desde que me conheço por gente sei que ele detesta criança, adolescente, qualquer pessoa que tenha menos de sessenta anos, Maria diz que é porque ele está velho e está ficando rabugento, mas, ainda sim é um ótimo jardineiro.

Abri os portões com a chave que guardava no bolso de minha calça, eu não morava longe da escola, na verdade era bem perto, algumas quadras talvez, tranquei os portões e comecei a seguir meu caminho ainda encarando aquela enorme construção luxuosa que chamo de minha casa, vi o senhor Hugo abaixado recolhendo alguns ramos que estavam se juntando as flores, ele me olhou serio, desviei meu olhar para a janela, vi Maria limpando o vidro pelo lado de dentro, ela sorriu acenando, sorri de volta até dar de cara com o muro da casa vizinha, afinal, eu continuava a andar.

Era mais um dia.

Era mais um dezessete de setembro.

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⏰ Última atualização: Aug 23, 2016 ⏰

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