Amianto

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Ela, cansada de viver, sai do seu quarto e vai até a sacada de sua casa chorando.
Ele, lá de baixo vê que ela está prestes a se jogar. Ele diz:
–Moça sai da sacada, você é muito nova pra brincar de morrer.
Ela responde:
–Isso não é uma brincadeira!
Ele com toda a calma do mundo diz:
–Me diz o que há. O que que a vida aprontou dessa vez?
Os dois em silêncio se olham, ela derruba duas lágrimas e fecha os olhos. Ele continua a falar:
–venha, desce daí. Deixa eu te levar pra um café, pra conversar, te ouvir e tentar te convencer que a vida é como mãe, que faz o jantar e obriga os filhos a comer os vegetais pois sabe que faz bem.
Ela de súbito pergunta:
–A morte. Ela é quem nessa história?
Ele responde sem precisar pensar:
–A morte é como pai que bate na mãe e rouba os filhos do prazer de brincar como se não houvesse amanhã.
Ela dá um passo para frente e olha para ele e para o chão.
–Moça, não olha pra baixo, aí é muito alto pra você se jogar. Eu quero te ouvir, eu vou te ouvir e tentar te convencer.
Ele dá uma pausa e logo inicia a cantar, com uma melodia tão serena, fazendo com que aquela voz grossa suave dele ecoasse:

A vida é como mãe
que faz o jantar
e obriga os filhos
a comer os vegetais
Pois sabe que faz bem

E a morte é como o pai
Que bate na mãe
e rouba os filhos do prazer
De brincar
Como se não houvesse amanhã

Ele olhou para o chão e cochichou para si mesmo:
Tudo bem, nem sempre estamos na melhor
Ela de cima da sacada cantou com voz chorosa mas tão suave:

Moço
Ninguém é de ferro
Somos programados
Pra cair

No final, ela se jogou. Ele desesperou-se e foi até ela, ela estava viva. Mas até quando?

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