A carta está terminada. Você a lê e chora ainda mais. Deixa a folha de papel sobre sua cama. Senta-se no chão. Ele está frio. Assim como você também está congelando. Lágrimas ainda caem pelo seu rosto, e dessa vez você não consegue controlá-las. Agora sua mente está voltada em decidir aonde vai ser. Duas escolhas ficam em sua mente. Mas você se decidiu pelo mais comum, pelo mais fácil. Ergue a blusa e vê sua veia pulsando. Sorri, tão ironicamente, mas sorri. Nesse momento milhares de coisas passam pela sua mente. Menos a ideia de desistir. Porque você não vai. A lâmina esta na sua mão outra vez. A coragem que muitas vezes havia sumido aparece. A veia ainda pulsa, e é como se lhe convidasse a perfurá-la. Mais alguns segundos de tensão, mais alguns minutos de quase-vida e você quer logo dar um basta. Pega o objeto cortante que tem em mãos e o passa sobre seu pulso, com toda a sua força. No principio nada. Mas então uma dor latejante toma conta de todo seu corpo. Sangue. Numa quantidade que você nunca tinha visto. Não para de escorrer. Então você sabe que dessa vez deu certo. Que era o fim. Sente a morte se aproximando, e não tem um pingo de medo. Aquilo era o esperado. Despede-se de todos. E mesmo com toda aquela dor flamejante, sorri. Sorri porque sabe ser o fim de toda a sua dor, de todo seu sofrimento. Acabou. Agora era hora de ser feliz. Mesmo que fosse bem longe de onde ele sonhara ser. Seus olhos se fecham lentamente. Sua alma se desprende. E dentro de ti sobre apenas um vazio. O sangue para de escorrer. Mas essa historia não acaba por ai. Sua mãe chega em casa. Grita pelo seu nome. Não obtém resposta é claro. Então vai te procurar. Vai direto ao seu quarto. Abre a porta e grita. Aquela cena jamais sairia da mente dela. O corpo da sua filha caído no chão. O pulso cortado. Sangue espalhado pelo chão. Então ela chora, desesperadamente. Se joga no chão e começa a sacudir seu corpo. Implora pra que ainda esteja viva, mas você não está. Com lágrimas nos olhos ela diz que você está morta. Ela sai correndo. Para onde nem ela sabe, apenas corre. Sai de casa e vai pra longe, chorar. No dia seguinte a noticia já se espalhou. No seu velório apareceram inúmeras pessoas. A maioria foi apenas para dizer que sentiam muito. Uma grande parte eram de curiosos. E mesmo que essa fosse pequena, havia uma quantidade de pessoas que realmente estavam ali por realmente se importarem. Sua melhor amiga entra e vê seu corpo num caixão. Gritos e mais gritos. É um choro sem fim. O seu melhor amigo a ampara, mas nem ele mesmo consegue ser forte. A pose de durão dele sumiu. Sua mãe está lá a base de calmantes. Seu pai apareceu, mas não conseguiu ficar. Seu enterro aconteceu. Mas as pessoas não iriam esquecer tão fácil assim. Um mês se passa. Sua mãe entrou em depressão. Toma milhares de remédios, mas nada faz com que aquele vazio se preencha. Ela tenta se manter forte, pois ela tem que ser, mesmo que muitas vezes ela desmorone e chore pelos cantos. A família não é a mesma sem você. E pensar que você achava que não faria diferença. Sabe aquele professor que pegava no seu pé? Que só implicava contigo nas aulas? Se despediu. Não aguentou ficar no serviço nem uma semana a mais. Ele também se culpa. Aquelas meninas que te zoavam na escola, que te chamavam de feia, de vadia e tudo mais, elas choram todos os dias. Se sentem culpadas até o ultimo fio de cabelo. Aquele garoto que você gostava está internado numa clinica para viciados. A culpa foi tão grande que não aguentou e se iniciou no mundo das drogas. Ele gostava de você, mas não quis ficar contigo por vergonha. Sua melhor amiga aquela que chorou e gritou no seu velório, ela se corta todas as noites. Seu melhor amigo perdeu o sono e tem que tomar remédios fortes para conseguir dormir apenas três horas por noite. Os dois se sentem imensamente culpados por não terem conseguido te ajudar. Se sentem inúteis. O seu quarto ainda está lá. A carta ainda em cima da cama. Sua mãe não teve coragem de lê-la. E mesmo com todas as recordações que isto pode causar, depois desse um mês passado, ela resolve entrar no seu quarto. O sangue ainda está no chão. Ela ainda consegue ver você estirada ali, sem vida. Passa pela poça e vai até sua cama, se senta e chora. Pega seu travesseiro e sente sue cheiro. Chora ainda mais. Então ela pega a carta, agora meio velha, devido ao tempo que ficou presa naquele quarto. Ela vê as letras borradas e deduz que são por causa de lágrimas, e nisso está certa. Toma coragem, e lê suas ultimas palavras. Mais lágrimas caem sobre o papel. Ela tenta te entender. Mas não consegue. Ela nota que todos erraram com relação a você. Principalmente ela, que não percebeu tudo que estava acontecendo com sua própria filha. Termina, joga o papel na cama. Sai e pega um balde com água. Joga no quarto e limpa seu sangue. Ela não consegue parar de chorar. Mas faz o que você pediu na carta. Segue em frente. Um ano se passou, e as coisas não mudaram muito. A depressão de sua mãe se foi. Sua melhor amiga não pega em uma lamina ha meses. Seu melhor amigo dorme bem agora. A cidade ainda não se esqueceu do seu suicídio, mas ninguém mais comenta. As coisas parecem bem agora. Apenas parecem. Na mente daqueles que se importavam tudo isso ainda não parece real. É um ano sem você. É um ano de tristeza. Um ano de lágrimas. Visitam seu tumulo e deixam flores. Eles sentem sua falta. E sempre vão sentir. Jamais se esquecerão de você. Infelizmente você partiu ao invés de esperar as mudanças acontecerem. Eles tiveram que te perder pra dar valor. Enquanto você sofria em silencio, eles fingiam não se importar com nada, mesmo se importando muito. Erro seu, sim. Mas erro deles também.