MAYARA SANDERS
— O tio amaria isso aqui. — Sorri vendo as tulipas alaranjadas. Me abaixei e aspirei o perfume das flores.
Eu, mamãe e papai montamos um jardim, em homenagem ao meu tio. Uma vez eu disse que se pudesse escolher, ele seria o meu pai. Na época eu estava magoada com meu pai. Ele chegou a esquecer o meu aniversário, então eu pensei que o odiava, porém no dia 11/09/2001 eu percebi que o amava.
Eu estava na fila da cantina da escola quando vi pela pequena TV a cobertura do ataque terrorista ao World Trade Center. No segundo em que vi o prédio que o meu pai trabalhava pegando fogo, me bateu um desespero. Tudo que consegui fazer foi correr para casa, para encontrar mamãe chorando, ajoelhada enfrente a TV.
Ela não teve coragem de ligar para o meu pai, muito menos para procurá-lo. No fundo sabíamos que não adiantaria fazer nada e que de um jeito ou de outro as notícias seriam ruins.
Nós assistimos tudo pela TV.
Nós vimos a destruição, a dor no rosto de cada uma daquelas pessoas, ouvimos os gritos desesperados dos que não tinham notícias de seus amigos e familiares. Quando a torre sul despencou nós desligamos a TV, nos abraçamos e aceitamos que nunca mais veríamos o meu pai.
Às 19h bateram em nossa porta. Mamãe e eu trocamos olhares e previmos que seria a confirmação dos nossos temores, que papai estaria morto e que alguém viria nos avisar.
Destruída e coberta de lágrimas, mamãe caminhou até a porta.
Eu escutei um grito e corri para ver do que se tratava.
Ele estava coberto de fuligem, as roupas rasgadas e uma tristeza profunda nos olhos.
Mamãe o abraçou e eu me juntei a ela. O apertei como se minha alma tivesse invadido meu corpo novamente. Me senti segura novamente.
Aquele foi o dia mais feliz, confuso e triste da minha vida, mas acima de tudo foi o dia que mudou a nossa vida. Papai começou a passar mais tempo conosco, minha mãe voltou a sorrir e eu voltei a me sentir parte de alguma coisa. Eu finalmente tinha minha família de volta.
— O almoço está pronto! Seu pai queimou a carne — mamãe disse com divertimento.
Retribui seu sorriso e a segui até a nossa cozinha.
Não pude conter o riso vendo meu pai vestindo um avental com a inscrição "Rei da cozinha". Peguei meu prato e ele me serviu de batatas.
Tio Miles ainda está firmemente intrincado em nossos corações e assim permanecerá ate o fim dos nossos dias.
Eu posso afirmar que a nossa família está completa, as peças que faltam não estão presentes fisicamente, mas tem seu lugar em nossas recordações. E isso faz deles parte de nós, portanto, estão vivos.
Nós tivemos a nossa última chance e a seguramos com unhas e dentes.
E você? Vai deixar a sua oportunidade de ser feliz passar?
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Última Chance
Historical FictionNinguém espera por um desastre. Todos nós saímos de casa pensando em voltar sãos e salvos para nossas famílias. John também esperava. Nunca pensou que o World Trade Center seria atacado por terroristas. Nunca pensou que estaria lá e vivenciaria tu...